O capixaba Vitor Duarte tinha saído de mais uma live no Instagram e ainda não sabia que tinha despertado um interesse peculiar. Costumeiramente, o chefe de investimentos da Suno usa as redes sociais para interagir com a base digital de pessoas físicas que compram os fundos da companhia fundada por Tiago Reis, mas naquele dia começava a originar um crédito para o Fiagro da casa, o SNAG11.
Fabio Chiqueta Ribeiro, diretor financeiro da Leitíssimo, tinha assistido a live e estava em busca de alternativas de financiamento para fazer investimentos, e enviou uma mensagem para Duarte pelo LinkedIn. Começava ali uma conversa que levaria alguns meses, mas marcaria a estreia do laticínio no marcado de capitais.
Conhecido pela garrafa de longa vida com a simpática vaquinha e onipresente nas melhores cafeterias do país, a Leitíssimo captou R$ 40 milhões por meio da emissão de um CRA totalmente subscrito pelo Fiagro da Suno. Os dados acabam de ser divulgados no relatório gerencial do fundo.
A emissão da Leitíssimo é parte de um esforço maior que os principais executivos à frente do Fiagro da Suno vinham estruturando para ampliar o tamanho do fundo. Num fato relevante divulgado na manhã desta segunda-feira, a gestora informou que encerrou o terceiro follow-on do SNAG11, captando R$ 202 milhões.
Com isso, o Fiagro da gestora chegou a um patrimônio de R$ 500 milhões, disse Amanda Coura, managing director da Suno e uma das responsáveis pela estruturação de crédito, ao The Agribiz.
Originação de crédito
Diferentemente do que ocorre na maior parte das gestoras de Fiagro, a Suno não capta os recursos primeiro para depois buscar alocá-lo. O modelo é o inverso. Assim como já havia feito com a Boa Safra, primeira companhia a apostar no modelo de financiamento desenhado pelo SNAG11, a Leitíssimo usou o próprio caixa para comprar cotas do Fiagro.
Para o fundo e os cotistas, há clara vantagem: não há desalocação. Além disso, o custo de distribuição das emissões também cai vertiginosamente. No último follow-on, foi de apenas 0,2% por cota. Na última emissão do KNCA11, o maior Fiagro do mercado, saiu a 1,8%.
Do lado da Leitíssimo e das demais companhias que fazem parte do portfólio, o recurso total do CRA pode não cair imediatamente no caixa, mas o Fiagro tem liquidez para que o laticínio venda os recursos no mercado secundário gradualmente, levantando o caixa para os investimentos.
A Boa Safra, que provou o modelo, vem ampliando a aposta. Depois de ancorar a primeira e a segunda emissão do SNAG11, ambas no ano passado, a empresa de sementes dos irmãos Camila e Marino Colpo também participou deste último follow-on, em valores ainda não divulgados.
Nas duas primeiras emissões, o Fiagro da Suno comprou R$ 265 milhões em CRA da Boa Safra. O título conta com garantias da sementeira, mas o crédito é pulverizado e lastreado em clientes (53 CPRs de produtores e revendas agrícolas, especialmente), o que diversifica o risco do fundo. A Suno fez a análise de crédito de cada um dos clientes que entrou no CRA pulverizado.
Para a Boa Safra, o Fiagro é um mecanismo para aliviar o volume de recebíveis que fica no balanço, permitindo que a sementeira continue crescendo. O alívio ocorre aos poucos, uma vez que no primeiro momento é a própria companhia que compra as cotas do Fundo.
Liquidez do SNAG11
Para dar liquidez e manter uma estratégia de distribuição mais barata, a Suno aposta na estratégia digital que ajudou o negócio criado por Tiago Reis a ficar conhecido, reunindo mais de 5 milhões de seguidores nas redes sociais.
Só no Fiagro, a gestora ganha mais de 1 mil cotistas por semana e, atualmente, já tem mais de 70 mil investidores e negocia, em média, R$ 1,3 milhão por pregão. Conforme o fundo aumenta com as novas emissões, a tendência é que a liquidez também melhore.
Para ser ter ideia do ritmo de monetização, dos quase R$ 300 milhões em cotas do SNAG11 que a Boa Safra comprou nas duas primeiras emissões, a maior parte já foi vendida no secundário, reforçando o caixa. Em junho, quando divulgou o último balanço trimestral, a sementeira tinha apenas R$ 96 milhões em cotas não vendidas.
Investimentos da Leitíssimo
O mesmo raciocínio vai valer para a Leitíssimo. À medida em que o laticínio vende as cotas do SNAG11 no mercado secundário, traz os recursos para financiar investimentos em pivôs de irrigação e sala de ordenha na fazenda de Jaborandi (BA).
Com vencimento em cinco anos e juros de CDI + 5% ao ano, o CRA da Leitíssimo conseguiu um prazo mais largo do que os bancos comerciais estão acostumados a conceder, diz Octaciano Neto, head de agronegócios da Suno.
“Se você olha os dados do Banco Central, as operações de crédito rural com mais de três anos são menos de 10%”, diz. O Fiagro, por não ter prazo para saque — o cotista que quiser pode sair via mercado secundário — pode ser uma alternativa para financiar os investimentos de longo prazo, defende Neto.
Ao avaliar o risco de crédito da Leitíssimo, o perfil premium da companhia pesou positivamente. Enquanto laticínios tradicionais enfrentam a competição do leite em pó importado, o laticínio comandado pelo neozelandês Simon Wallace está em um nicho diferente, pouco sensível à renda.
“Nossa marca traz uma qualidade e experiência do consumidor que nos coloca quase dentro de outro segmento. Não estamos em commodity”, contou Wallace ao The Agribiz. Segundo ele, a Leitíssimo chega ao varejo com um prêmio da ordem de 60% sobre o leite longa vida convencional. Com isso, as margens também são maiores.
Com cerca de R$ 120 milhões em faturamento em 2023, a Leitíssimo possui um modelo verticalizado de produção, com um rebanho de 6 mil cabeças de gado. A companhia cresceu, em média, 20% ao ano nos últimos cinco anos.
“Destacamos a robusta geração de caixa da companhia, a baixa alavancagem financeira e a grande qualidade da operação”, escreveu a Suno, no último relatório gerencial do SNAG11.
Na operação, o Fiagro conta com a fazenda de Jaborandi em garantia e aval dos donos da Leitíssimo.
Maior produtor de café
Além da entrada em lácteos, o Fiagro da Suno também estreou em café. Com a conclusão do follow-on, o SNAG11 também trouxe João Ruiz Lourenço, um dos maiores produtores de café do país.
No mesmo formato de Boa Safra e Letíssimo, o cafeicultor vai levantar cerca de R$ 50 milhões com a emissão de um CRA. Ruiz comprou cotas do fundo e vai colocar os recursos no caixa gradualmente, vendendo no mercado secundário.
A Suno também está estruturando uma segunda operação no setor de café, que vai compor o portfólio.
Taxa de juros
Com a diversificação dos ativos, deixando de ter apenas Boa Safra ou clientes da sementeira como lastro, o Fiagro da Suno conseguiu aumentar as taxas de juros do fundo.
O CRA pulverizado da Boa Safra paga CDI + 3% ao ano, enquanto os papéis da Leitíssimo vão pagar CDI + 5% ao ano e Ruiz, CDI + 4,5%.
Além disso, o Fiagro da Suno é dono de dois imóveis onde estão os centros de distribuição da Boa Safra, que paga aluguéis ao fundo (IPCA + 8% ao ano). Os dois imóveis somam quase R$ 25 milhões em patrimônio.
Em doze meses, o SNAG11 pagou um dividendo anual equivalente a 13,58%. Com os novos ativos no portfólio, a Suno pode reduzir a diferença de rendimento na comparação com os fundos de casas como Kinea, JGP, XP e FG/A.