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Fiagro: O que vai mudar com a nova regulação da CVM

Minuta inclui créditos de carbono, Fiagro multimercado e abre oportunidade para investimentos do varejo em venture capital

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou hoje a minuta da aguardada regulamentação definitiva do Fiagro, abrindo uma consulta pública de três meses para os gestores e demais interessados sugerirem alterações.

Numa das principais novidades, a minuta incluiu os créditos de carbono na lista de ativos elegíveis para os fundos de agro (neste caso, exclusivamente para investidores qualificados).

A proposta da CVM também atende a um dos principais pleitos da indústria de Fiagro, permitindo que o portfólio dos fundos listados em bolsa tenha Cédulas do Produto Rural (CPR) diretamente.

João Pedro Nascimento, presidente da CVM: órgão abriu consulta para regulamentação do Fiagro | Crédito: Geraldo Magela/Agência Senado

Na regulação atual, os fundos listados (que emulam as regras de um fundo imobiliário) montam o portfólio de crédito por meio de CRAs, um instrumento de emissão mais cara e, portanto, uma alternativa de financiamento inviável para produtores rurais de médio e pequeno porte.

“A CVM está democratizando o acesso do produtor ao mercado de capitais”, comemorou Octaciano Neto, head de agronegócios da Suno, gestora e empresa de research fundada por Tiago Reis.

Fiagro multimercado

Quando entrar em vigor, o texto da CVM também vai permitir a criação de uma espécie de Fiagro multimercado, incluindo classes diferentes de ativos em um só veículo.

Atualmente, a norma provisória divide os Fiagro em três categorias: Fiagro-FIDC, que investe em direitos creditórios e é restrito a investidores qualificados; Fiagro-FII, que compõe a vasta maioria dos fundos do mercado e permite o investimento em CRAs, LCAs e imóveis rurais; e Fiagro-FIP, que permite o investimento em participações de empresas, abertas ou fechadas.

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Pela regra em vigor, um Fiagro-FIDC pode aplicar em CPRs, mas um Fiagro-FII não pode o fazer. Um Fiagro-FIP poderia comprar uma participação em uma companhia de agro (uma indústria de insumos biológicos, por exemplo).

Com a mudança, mesclar os diferentes tipos de ativos em um mesmo fundo passará a ser possível. “Esse Fiagro multimercado era uma expectativa grande que o mercado tinha. Um Fiagro vai poder ter um mix de diferentes tipos de ativos”, diz José Alves Ribeiro Junior, sócio da VBSO Advogados.

A regra dá mais liberdade aos gestores. “É muito caro montar um fundo. O gestor vai poder fazer várias teses em um veículo”, argumenta Eduardo Pachi, sócio do VNP Advogados. Na outra ponta, liberdade vai significar mais responsabilidade para o gestor. O risco de uma estratégia mal calibrada é traumatizar o investidor de varejo.

Venture capital

De certa forma, o texto da CVM também abre uma oportunidade para o investidor de varejo investir em venture capital, uma classe de ativos inacessível para esse público.

Como um fundo listado poderá investir em diferentes categorias, em tese será possível comprar cotas de um FIP de uma gestora de venture capital ou private equity dedicada ao agro — The Yield Lab, Kijani, 10b, Barn, SP Ventures, Aqua Capital, entre outras.

“Imagina quando a indústria de Fiagros listados tiver R$ 100 bilhões. Se 2% desse patrimônio estiver em venture capital, é mais dinheiro do que todas as gestoras têm hoje usando apenas a unha do Fiagro”, brinca Octaciano Neto, da Suno. Atualmente, o patrimônio dos Fiagros listados na B3 passa de R$ 10 bilhões, com mais de 400 mil cotistas.

Para o executivo capixaba, que abordou o tema em tese e não como uma estratégia da Suno, os Fiagros listados têm poder de fogo para fortalecer a liquidez do mercado de venture capital, irrigando recursos para a inovação no campo. “É a garantia de que as inovações estão contratadas”.

Do lado dos investidores, uma pequena exposição do patrimônio a firmas de venture capital poderia render retornos extraordinários, preservando a estratégia geral do fundo — normalmente, aplicados em títulos crédito — sem correr os riscos típicos de um investimento direto em venture capital.

Problemas da minuta

Apesar dos elogios, a minuta não está livre de problemas. Para Bruno Cerqueira, sócio do Tauil & Chequer Advogados, o período de audiência pública pode ajudar a resolver algumas imprecisões do texto.

Para ele, um dos grandes pontos de dúvida diz respeito justamente aos Fiagros investindo em diferentes classes de ativos.

Pela norma proposta pela CVM, se a política de investimentos de um fundo permitir mais de 30% de exposição a direitos creditórios, por exemplo, esse veículo deveria respeitar (subsidiariamente) também as normas previstas para o FIDC.

O que acontece, no entanto, quando um fundo desenhar uma política que permita investir, a critério do gestor, mais de um terço em diferentes classes (direitos creditórios, imobiliários, títulos securitizados)? “Qual norma eu sigo? Uso a regra para FIDCs ou a regra para fundos imobiliários? Qual é o meu público-alvo?”, indaga Cerqueira.

No edital, a CVM deixou a porta aberta para o aperfeiçoamento do texto. “Há interesse em ouvir o público com relação à solução escolhida e também sobre o percentual do patrimônio que dispara a aplicação subsidiária”, escreveu o regulador.

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A legislação que criou o Fiagro, um projeto de autoria do deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), foi aprovada em março de 2021. A CVM aproveitou o chassi dos fundos imobiliários e, numa decisão criativa, regulamentou o Fiagro de forma provisória, acelerando a estreia do novo veículo no mercado de capitais.  A regulação provisória saiu em julho de 2021.