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Fundo de agro estatal: os detalhes (e as diferenças) dos veículos de SP e PR

Veículos de investimentos recém-anunciados têm propósitos e formatos diferentes; em São Paulo, o foco é infraestrutura e, no Paraná, objetivo é financiar a produção

O governador Ratinho Jr. (centro) lança o Fiagro do Paraná em evento da Frente Parlamentar Agropecuária | Crédito: Jonathan Campos/AEN

São Paulo até deu a largada no tema de fundos do agro com dinheiro estatal, mas, na reta final de 2024, é o Paraná que parece tomar a dianteira no tema.

O Fiagro paranaense — o primeiro do Brasil a misturar recursos públicos e privados — nasceu nesta semana com um compromisso do governo estadual de injetar R$ 350 milhões. Enquanto isso, o FIDC (não um Fiagro) paulista saiu do papel bem mais tímido, com um anúncio de R$ 50 milhões em aportes do governo. 

Não é só no tamanho que ambos os fundos se diferenciam. No Paraná, o Fiagro vai servir como um financiamento mais próximo ao papel do Plano Safra, ou seja, com foco no financiamento da safra. Em São Paulo, o fundo tem como missão principal apoiar projetos de logística e armazenamento.

No caminho para fomentar o agronegócio do Paraná, o Fiagro terá uma estrutura em que o total de recursos aportados pelo governo representará 15% do tamanho do fundo. O dinheiro virá da Fomento Paraná (uma agência de desenvolvimento local) e será totalmente alocado na cota sênior, rendendo 4% ao ano. Os recursos não serão disponibilizados de uma vez só — e poderão, ao longo do tempo, ser distribuídos em novos Fiagros, mas sempre nessa mesma proporção.

Na cota mezanino, o principal público-alvo são gestoras de investimento, com juros de mercado. As conversas, aqui, giram em torno de captar recursos com fundos que já operam normalmente e que têm interesse em entrar no investimento. Já existem conversas avançadas com uma grande asset de São Paulo.

Já na cota júnior, quem vai entrar serão as cooperativas locais dos cedentes dos créditos, assumindo o risco das primeiras perdas. Em outras palavras: a cooperativa entra na cota júnior e os cooperados selecionados serão os tomadores dos recursos concedidos pelo fundo. Os produtores vão emitir CPRs com juros de 9% ao ano — próximos, portanto, ao que pratica o Plano Safra.

O fundo terá um prazo de dez anos e os empréstimos vão variar de acordo com o propósito de cada recurso. Um empréstimo para comprar um trator, na prática, pode ter um prazo menor do que um projeto de irrigação. Hoje, qualquer cooperativa do Paraná pode se candidatar a ser uma cotista do fundo. 

O veículo será gerido pela Suno Asset, com consultoria da Avra, empresa recém-criada por Octaciano Neto e Amanda Coura. “Este é um veículo moderno de financiamento do agronegócio e o governo do Paraná estabelece um exemplo a ser seguido em todo o País, promovendo investimentos sustentáveis e estratégicos para o setor”, diz a Suno, em nota.

O fundo pode abrir a porta para uma “versão 2.0” do Plano Safra, permitindo que o governo, em vez de alocar recursos a fundo perdido — o montante do Orçamento que compensa a diferença entre os juros de empréstimos subsidiados e dos juros aos quais os bancos captam recursos —, possa ter uma remuneração consistente com o financiamento ao setor.

Em São Paulo, uma lógica diferente

Na cerimônia lotada desta quinta-feira no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista, diferentes autoridades — e nomes conhecidos do agronegócio — marcaram presença para celebrar o fundo anunciado pelo estado.

Trata-se de um FIDC convencional (não um Fiagro) cujos compromissos do governo somarão R$ 50 milhões — dinheiro que virá da DesenvolveSP, agência de desenvolvimento estadual. A participação do mercado ficará bem menor, com a Rio Bravo sendo incumbida de captar 20% dessa cifra no mercado. Nessa soma, o fundo ficará com R$ 60 milhões.

Cerimônia de lançamento do FIDC do governo de São Paulo destinado ao agronegócio | Crédito:  Marcelo Camargo /Governo de SP

O governo ficará com a cota sênior, que terá uma duração de seis anos e vai remunerar a CDI+1% ao ano, explicou Evandro Buccini, diretor de gestão e crédito da Rio Bravo. “Existem conversas com outras secretarias para se juntarem a essa iniciativa, então o fundo, no futuro, poderá crescer tanto com dinheiro do governo quanto com a iniciativa privada.”

Há poucos detalhes sobre o veículo de investimento. Existem conversas com family offices e outras gestoras para compor a cota subordinada, com o veículo sendo restrito a investidores profissionais. Também já existem conversas para que as cooperativas paulistas façam parte do fundo.

Também não foi definido o patamar de juros a ser cobrado dos produtores, com o fundo na fase final de estruturação. “O nosso objetivo é que a taxa de juros seja a mais baixa possível para que a gente também tenha mais originação e entregue o dinheiro mais barato possível para os tomadores. Não é dinheiro subsidiado que a gente vai emprestar”, diz Buccini. 

O que está definido, ao menos por enquanto, é o propósito a que esse dinheiro servirá: financiar projetos de logística agrícola, principalmente dedicados à armazenagem e infraestrutura. Para selecionar os tomadores, a gestora vai contar com uma consultoria nova no mercado, chamada Fralo. 

A empresa é formada por Fernando Ribeiro, profissional com uma trajetória de 12 anos no mercado financeiro (sete deles na estruturação de projetos de agronegócio), Luiz Almeida (ex-VP do Banco Santander) e José Victor Costantini Marques (ex-Cosan, que vem de família de produtores no interior de São Paulo).

“Nosso foco é sempre em logística. Você não vai ver um engenheiro agrônomo que vai querer falar de produtividade na fazenda, perfil de solo, correção de solo. Nosso perfil é realmente estruturação de operações com viés de logística do agro, foi isso que fiz nessa minha jornada de mais de 20 operações estruturadas e mais de R$ 1,5 bilhão de recursos captados”, explica Ribeiro, sócio-fundador da Fralo, ao The AgriBiz.

Ribeiro já conhecia a Rio Bravo por ter estagiado lá em 2013 e, recentemente, se reaproximou da casa ao fazer a ponte para a captação de ativos de logística portuária ligada ao agronegócio em Paranaguá (PR). O principal foco da empresa é mesmo aproximar o campo da Faria Lima, no formato de consultoria.

A visão é a de que o agronegócio paulista, por ser mais verticalizado, abre uma série de oportunidades que vão além do produtor rural em si. “Vamos olhar com muita atenção para operadores logísticos, agroindústrias e cooperativas”, diz Ribeiro. 

Na parte logística, enquanto projetos novos — e maiores — podem custar muito dinheiro, a visão é a de que projetos como retrofit de armazéns possam oferecer uma boa oportunidade, inclusive já explorada em conversas recentemente.

“Temos no pipeline perfis variados de operações e de tomadores. É um número bem extenso e estamos inclusive rodando propostas, negociações, visitas, como a que fizemos em Pilar do Sul recentemente. À medida que fizermos um bom trabalho, vamos conseguir atrair mais capital para o fundo”, diz Ribeiro.