Um produtor rural pediu recuperação judicial. Aquela agroindústria que pagava uma taxa de juros apetitosa pediu (e obteve) uma cautelar para renegociar com os credores. Outros tantos conseguiram o waiver para evitar o vencimento antecipado das dívidas, afinal, nenhum gestor quer puxar a granada.
O emaranhado de notícias negativas por vezes parece exagerado — e às vezes é mesmo, devemos reconhecer. Mas num mercado dominado por investidores pessoas físicas que começaram a aplicar no agronegócio praticamente agora, dificilmente seria diferente.
Muito gestor de crédito agora se queixa, mas o clima de velório que contamina o mercado de Fiagro é filho do mesmo pai que criou essa indústria de R$ 35 bilhões em tempo recorde: o desconhecimento do investidor de varejo.
Durante o boom da agricultura, as captações na Faria Lima não paravam. Era só alegria. De gestores que nunca usaram uma botina a fundos experimentados que arriscaram capturar um yield mais gordo porque o agro parecia aguentar qualquer desaforo, poucos escaparam à euforia.
Quando tudo dá certo, os conservadores rareiam. Os investidores de varejo, que agora se ressentem, também foram adeptos da cegueira deliberada. “Vamos alocar nos fundos mais apimentados fingindo que a indústria toda é high grade”. Quem nunca?
Agora, a indústria de Fiagro (e os investidores) precisa aprender a separar o joio do trigo. Não é uma tarefa simples, até porque nem todo problema de crédito é fruto da ganância e ou de erros de alocação. Emprestar dinheiro é uma atividade de risco e, vez ou outra, as perdas se materializam. Vale para Fiagro e qualquer classe de crédito privado.
Ao que tudo indica, a triagem ainda vai levar um tempo razoável, frustrando os gestores de Fiagro que gostariam de aproveitar o momento para aumentar o tamanho dos fundos, aproveitando a aversão ao risco ao agro para alocar melhor.
O índice do ruído
O mais novo relatório da Empiricus, um bom termômetro para compreender como o investidor de varejo vai se comportar, é ilustrativo das dificuldades para reconquistar o cotista. A casa liderada por Felipe Miranda reiterou a recomendação para que os investidores fiquem fora dos Fiagros no curto prazo.
“Notamos que as incertezas persistem, fazendo com que as ameaças de curto prazo prevaleçam”, escreveu a casa de research, no relatório produzido pelo analista Caio Nabuco de Araújo.
Outro sinal é a postura da XP. Maior distribuidora de Fiagros por larga margem, a corretora de Guilherme Benchimol está temporariamente fora das ofertas. “A base de agentes autônomos ficou machucada com os Fiagros”, comentou um gestor.
Prever a recuperação das cotas dos Fiagros vai depender muito dos eventos de crédito envolvendo os devedores que compõem o portfólio dos fundos. Enquanto os problemas continuarem pipocando, vai ser difícil atrair os investidores de varejo.
“O reperfilamento da dívida e alongamento dos prazos deve continuar ao longo do ano, eventualmente pressionando ainda mais a cotação de alguns fundos. […] Temos dificuldade em prever o término desta onda de eventos de crédito nos portfólios”, argumentou o analista da Empiricus, no relatório.
Nessa toada, a recuperação das cotas dos Fiagros talvez fique só para 2025. É nisso que Nabuco de Araújo acredita. Ao The Agribiz, o analista defendeu a posição conservadora. Perguntado se a virada de chave “deve” acontecer no ano que vem, ele respondeu que é melhor dizer que “pode” ocorrer.
A aversão ao risco está exposta num cálculo da Empiricus. No relatório, a casa selecionou os 16 maiores Fiagros da bolsa e, incluindo no mesmo balaio casos de inadimplência, fraudes e waivers mais simples, chegou à conclusão de que 12,2% “possuem alguma instabilidade”.
Questionado sobre o método, Nabuco de Araújo defendeu a inclusão do waiver. “No fim das contas, é renegociação entre credor e devedor. Pelo fato de envolverem extensão de período de carência ou algum desconto de carência, muitas vezes o investidor pode sentir insegurança, mesmo que seja algo tradicional do crédito”, defendeu.
Se efetivamente não é a melhor forma de calcular o risco de crédito dos Fiagros, o cálculo sem dúvida é um bom indicador do porque o investidor de varejo está reticente com a indústria de fundos de agro.
Qual é a inadimplência real?
Enquanto os analistas de research mostram a dificuldade para uma virada, os gestores de crédito vem tentando argumentar que a queda das cotas dos Fiagros foi longe demais. Neste momento, tem muito investidor achando que tudo deu errado. Não deveria ser assim.
Guilherme Cunha, o ex-diretor financeiro do Ubyfol que criou a Ceres Investimentos, mostrou na semana passada, durante um painel no GAFFFF, que o susto com as recuperações judiciais é um despropósito.
Considerando apenas a carteira de crédito da Ceres, que estruturou diversos fundos com risco pulverizado, há mais de 35 mil produtores. Os pedidos de recuperação judicial no Brasil não passam de 150, o que dá uma ideia do exagero em tomar a parte pelo todo. Os alertas pela ponderação, aliás, não são novos e vieram até mesmo da Serasa, a autora do levantamento.
Os resultados dos Fiagros listados na B3 mostram que apenas uma minoria sofreu com problemas de inadimplência efetivos. Quando se considera a média ponderada por patrimônio líquido, a inadimplência dos fundos de agro listados na bolsa está em apenas 1,6%, uma taxa melhor do que as perdas de muito banco.
Se o investidor souber separar o joio do trigo, vai conseguir aproveitar as barganhas na bolsa. Sem qualquer caso de inadimplência até agora, os fundos de casas como FGA, JGP e Itaú Asset negociam com desconto razoáveis sobre o valor patrimonial.
Na luta contra a deterioração das cotas, só duas gestoras com fundos de porte conseguiram escapar ao mau humor: Kinea e Suno. Além de não sofrerem com inadimplência, as duas tem na estratégia de distribuição — muito menos dependente da XP — um diferencial. A Kinea aproveita a força do Itaú e a Suno, a estratégia digital montada por Tiago Reis.
Quem não tem essa vantagem precisa convencer o investidor, uma tarefa e tanto. A Empiricus que o diga.