À frente do maior Fiagro do mercado, o sócio e gestor da Kinea Flavio Cagno passou boa parte da carreira estruturando crédito para a indústria de fundos imobiliários, mas está longe de ser um neófito no mundo rural.
Em meados da década de 2000, o gestor da Kinea trabalhava na Vision Brazil, firma de investimentos que foi uma precursora na estruturação de títulos para o campo, especialmente em crédito high yield.
Quando o Congresso aprovou a legislação que criou o Fiagro, portanto, não foi uma surpresa que Cagno também tenha assumido a liderança da área na Kinea. “Eu fazia CPR, CDCA. Era rock ‘n roll total. Os CRAs não existiam. Se comparar com aquela época, o mercado de hoje é moleza”, brinca.
Em menos de dois anos desde o lançamento do KNCA11 (o primeiro Fiagro da Kinea), a gestora criou aquele que é, de longe, o maior fundo da indústria, com R$ 2,2 bilhões de patrimônio, 53 mil cotistas e um portfólio baseado em CRAs corporativos.
“Ser o maior não é uma meta, mas sim o mais estável. Isso significa, muitas vezes, também ser o mais longevo”, disse Cagno em entrevista ao The Agribiz.
Tamanho, no entanto, também é fundamental. Ao contrário do que ocorre com um fundo de ações, quando uma posição muito grande pode criar dificuldades para o gestor se movimentar rapidamente, no crédito a lógica é inversa.
“Quanto maior o fundo, melhor. Quanto maior você for, mais capacidade você vai ter de falar com os expoentes e trazer operações de um calibre diferente que, via de regra, estão associadas a ativos de alta qualidade”, afirmou.
No KNCA11, a gestora origina grande parte dos CRAs — cerca de 80%, segundo Cagno — e assina cheques polpudos. “Como fazemos cheques relevantes, o crescimento é importante para a diluição, para que o fundo fique desconcentrado”.
Ativos do fundo
Atualmente, o setor de açúcar e etanol respondem pela maior exposição do Fiagro da Kinea, cerca de 30%. No portfólio, a gestora possui CRAs de grupos como Zilor, Usina Itamarati, Rio Amanbai, Bahia Etanol, Cocal e Raízen, entre outros.
“Açúcar e etanol é um setor que demanda muito capital e tem tido anos muitos bons”, disse o gestor da Kinea, citando a disparada do açúcar no mercado internacional — o que vem turbinando a geração de caixa das usinas.
Idealmente, a concentração do KNCA11 deveria ser de 25%, mirando não ultrapassar mais de 30%, segundo Cagno. “Se tiver diversas operações de boa qualidade, é palatável”, emendou.
No caso do Fiagro da Kinea, a maior concentração em açúcar e etanol é também uma decorrência do histórico dos gestores do fundo, que conhecem profundamente do setor e já trabalham por muitos anos estruturando créditos na área.
No time dedicado à estruturação de crédito para o Fiagro, a Kinea conta com Alexandre Marco (ex-head de crédito do Rabobank, um banco especializado em crédito para o agro), Victor Araújo Graça, que também veio do banco holandês, e Felipe Greco (ex-Amerra).
“Conseguimos construir operações com estruturas muito interessantes. E com o histórico dos nossos gestores, julgamos ter um conforto adicional”, disse Cagno.
Depois de açúcar e álcool, as empresas de insumos agrícolas são o segundo setor mais importante do portfólio (13,2%), o que inclui crédito para empresas como Hinove e Tecnomyl. Em proteína animal, há mais 8%, com nomes como BRF e Frigol.
A maior parte do portfólio do fundo está indexada ao CDI, com um spread médio de 5,38% ao ano. Cerca de 20% estão indexados ao IPCA, com spread médio de 7,9% ao ano, conforme o último relatório gerencial do KNCA11.
Financiando no longo prazo
Por enquanto, a maioria dos Fiagros — incluindo o veículo da Kinea — está dedicada a investimentos em CRAs, especialmente de dívida corporativa. Alguns fundos, como Riza e Itaú Asset, também dão crédito para produtores rurais.
Para Cagno, era natural que a indústria de Fiagro florescesse a partir dos CRAs, um veículo mais compressível para o investidor de varejo pela comparação com os CRIs que compõem os fundos imobiliários.
Mas há uma caixa de ferramentas grande para explorar, argumenta. A criação dos Fiagros já permitiu que companhias do agronegócio que não tinham qualquer interação no mercado de capitais estreassem, emitindo CRAs.
Se por um lado a chegada de mais nomes no mercado de capitais pode significar papéis com riscos diferentes das gigantes tradicionais que já levantaram CRAs — companhias como Raízen, JBS, entre outras —, por outro há um choque de governança que pode ajudar a transformar a realidade do agro brasileiro, sofisticando as companhias.
“O agro tem um nível de excelência que dá orgulho, mas ainda não têm a mesma excelência em governança e sofisticação financeira”, disse. Pela necessidade de prestar contas aos investidores, o Fiagro agiliza o caminho para as companhias melhorarem a governança.
Com a queda dos juros, o Fiagro também vai poder se transformar num veículo para financiar o investimento de longo prazo, uma carência do campo brasileiro. Fundos que financiem operações mais complexas — built to suit de armazéns, por exemplo —, vão passar a fazer sentido.
“Se o país tiver uma taxa de juros mais razoável, o Fiagro vai permitir fazer investimentos de longo prazo com um custo que para de pé”.
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Neste momento, a Kinea também está em fase de captação de seu segundo Fiagro, o KOPA11 — um fundo de R$ 500 milhões. Voltado exclusivamente a investidores qualificados, este fundo vai buscar ativos de crédito de mais risco (high yield) e, portanto, maior retorno potencial.
Na conversa, Cagno não abordou esta oferta devido ao período de silêncio da operação.