Caso Gocil

Nem tudo é default. RURA11 mostra que é possível recuperar crédito de produtor

"Sempre que eu tive uma alienação fiduciária bem formalizada, no tempo conseguimos recuperar”, diz o gestor Tadeu Barreto, citando o recente caso da Agrocin

Imagem de canavial; RURA11 recupera crédito de produtor rural

Enquanto as recuperações judiciais de produtores rurais dão um frio na espinha dos investidores de varejo, o RURA11 — Fiagro da Itaú Asset com R$ 1,6 bilhão em patrimônio — demonstrou como as garantias certas facilitam a capacidade de recuperação de crédito, mitigando o risco.

Na mesma semana em que esteve no olho do furacão após a revelação da proteção judicial obtida pelo agricultor João Batista Consentini, o RURA11 chegou a um acordo com a Agrocin — companhia agropecuária que faz parte do Grupo Gocil, que está em recuperação judicial.

“Pelo nosso conhecimento, trata-se do primeiro caso de um Fiagro cujo devedor pediu uma recuperação judicial no qual a gestão foi capaz de já receber 100% do valor de principal e parte relevante dos juros devido”, escreveram os gestores do RURA11, na última mensal.

Na negociação, um fundo que investe em ativos distressed comprou o crédito detido pelo RURA11 e uma CPR investida pela MAV Capital, gestora que hoje pertence à Vinci Partners.

Com isso, a Itaú Asset recuperou 96% do que ainda tinha a receber da Agrocin — um deságio de 4% —, resultando numa operação equivalente a CDI + 2,2%. Quando o custo com advogados é incluído, o rendimento cai para CDI 0,8%. Originalmente, o CRA da Agrocin tinha um spread de 4,16% ao ano.

Em entrevista ao The AgriBiz, o gestor responsável pelo Fiagro da Itaú Asset, Tadeu Barreto, disse que a recuperação do crédito da Agrocin, um CRA de R$ 25 milhões que representava apenas 1% do patrimônio do fundo, corrobora a capacidade de análise de crédito do fundo.

“Sempre batemos na tecla de que nas operações com produtor rural é preciso ter o imóvel como garantia real. Disso não abrimos mão. Sempre que eu tive uma alienação fiduciária bem formalizada, no tempo conseguimos recuperar”, disse o gestor.

A fazenda certa

Mas a garantia do imóvel por si só não resolve, ainda que alienação fiduciária seja uma garantia que fica de fora da recuperação judicial. A escolha da fazenda também faz diferença, ressaltou Barreto.

Muitas vezes, uma operação de crédito a um produtor rural já chega aos gestores com uma sugestão de propriedade rural específica como garantia. Nem sempre esse é o melhor imóvel. “Gostamos de olhar o portfólio do produtor e escolher o imóvel que que quero para deixar em garantia”, explicou o gestor.

No caso da Agrocin, um grupo com cerca de 40 mil hectares que possui desde áreas de arroz em Uruguaiana (RS) até grãos em Balsas (MA), o RURA11 preferiu uma área de 4 mil hectares de cana em São Manuel no interior de São Paulo.

“É uma propriedade que fornece cana para São Manoel e Raízen, duas boas usinas. Então, escolhemos a área certa. Foi nosso primeiro acerto”, prosseguiu Barreto.

Alternativamente à área de cana em São Manuel, o RURA11 poderia ter escolhido a propriedade de Uruguaiana em garantia, uma região do País que a gestora não domina bem. Nas propriedades do Maranhão, ainda se trata de uma área irregular, com pouca liquidez no mercado de terras, o que dificultaria a recuperação do crédito.

Antes de firmar o acordo com o fundo, de nome não divulgado, a Itaú Asset chegou a encontrar um comprador para a área de cana da Agrocin, mas não houve um acordo em torno dos preços. Uma negociação envolvendo a venda da soqueiras — na prática, as safras futuras de cana — também acabou não avançando.

Nesse cenário, o RURA11 decidiu que a melhor opção era vender o crédito, evitando riscos de ficar com o ativo por mais tempo e entrar em algum imbróglio jurídico da recuperação judicial da Gocil, companhia de segurança de Washington Cinel que vai muito além das operações agrícolas.

Na avaliação da gestora, a recuperação do crédito da Agrocin é uma “boa proxy” da capacidade de recuperação dos fundos nas demais operações do fundo que estão com algum tipo de proteção judicial (Consentini e Portal Agro).

Atualmente, o administrador do fundo provisionou o equivalente a 1,1% para lidar com a inadimplência potencial dos dois casos acima.

“Seguiremos trabalhando da mesma forma para reverter essas provisões conforme o andamento das negociações”, escreveu o RURA11, em sua última carta.

No caso de Consentini, produtor rural de Tocantins, o CRA detido pelo RURA11 também possui uma alienação fiduciária de terras. A garantia equivale a 130% do valor do crédito no caso de venda forçada da fazenda.

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As cotas do RURA11 caíram fortemente em outubro, pressionadas pelo caso de Consentini. Em um mês, os papéis caem 8%. Atualmente, as cotas negociam a 90% do valor patrimonial.

Para uma gestora que vem demonstrando a capacidade de recuperar crédito, é uma queda que parece dissonante, até porque a provisão (reversível) foi de apenas 1,1%.