Recuperação judicial

O calvário dos credores para assumir as terras da mato-grossense Três Irmãos

Quase dois anos após os primeiros calotes, fundos de casas como Galápagos e SFI ainda não conseguiram executar as garantias

Fazenda Três Irmãos porteira CRA

Quase dois anos após os primeiros calotes sofridos pela indústria de Fiagro, os gestores ainda não conseguiram fazer valer a força da lei para vender as fazendas dadas em garantia, num calvário que expõe a lentidão da Justiça e as armadilhas de um processo de recuperação judicial.

Um dos casos mais emblemáticos, a Três Irmãos — agropecuária da família Bergamasco que cultiva grãos em Mato Grosso — começou a atrasar os pagamentos de um CRA em abril de 2023.

A securitizadora Reit, responsável pela emissão dos títulos, tentou negociar com os devedores uma solução para injetar capital, mas foi surpreendida poucos meses depois com o pedido de recuperação judicial, o primeiro a atingir o portfólio dos fundos de agro (GCRA11, da Galápagos, e IAGR11, da gestora SFI).

A RJ do grupo mato-grossense trouxe à tona o espectro da essencialidade do bem. Mesmo com as terras em alienação fiduciária, um tipo de garantia que fica de fora do processo de recuperação judicial, os credores foram forçados a paralisar o processo de transferência de titularidade das terras.

Como a propriedade rural foi considerada um bem essencial, os credores tiveram de esperar 180 dias — o chamado stay period, quando as dívidas ficam congeladas e as execuções, suspensas — para retomar o processo de transferência da matrícula no cartório, prazo que venceu em junho do ano passado.

Em agosto, os credores conseguiram transferir a propriedade das matrículas, uma área de 1,3 mil hectares a 100 quilômetros do município de Sorriso (MT), a capital mundial da soja. Naquele momento, os sinais de uma recuperação mais célere do crédito pareciam promissores.

Como o saldo devedor da Três Irmãos com os detentores dos CRAs é da ordem de R$ 45 milhões, a venda das terras seria mais do que suficiente para honrar o passivo. Estima-se que as terras dadas em garantia valham mais de R$ 55 milhões (considerando uma avaliação de R$ 45 mil por hectare).

As expectativas, no entanto, foram frustradas. Mesmo após a transferência da titularidade, os credores não puderam realizar o leilão para a venda das fazendas. Isso ocorreu porque, pouco tempo após a notificação do certame, a família Bergamasco recorreu à Justiça solicitando a prorrogação do stay period por mais seis meses.

Os pedidos da Três Irmãos foram aceitos e, de lambuja, a Justiça local ainda chegou a cancelar a transferência da matrícula — esta última decisão foi revertida pelos credores na segunda instância.

Em dezembro, finalmente, o prazo adicional de seis meses venceu, não restando mais direito a uma nova prorrogação. Em tese, os credores já poderiam retomar o processo para leiloar a fazenda, mas, na prática, não podem fazê-lo automaticamente. Precisam do aval da Justiça.

Na semana passada, o grupo de credores liderado pela Reit voltou à carga com uma petição solicitando a autorização para realizar o leilão, mas ainda não tiveram respostas.

Enquanto o juiz não decide, a família Bergamasco ganha tempo para evitar o que parece incontornável: a propriedade agora pertence aos credores. Cedo ou tarde, as terras vão a leilão.

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A agropecuária Três Irmãos estreou no mercado de capitais em 2022, durante o boom da soja, emitindo um CRA de R$ 36 milhões com vencimento em 2027 e juros de IPCA + 12,25% ao ano.