A ressaca financeira que atingiu a cadeia produtiva de grãos no Brasil ainda vai levar algumas safras para ser superada, com um processo de desalavancagem que parece estar ficando mais lento em razão da escalada da Selic.
Esse é o cenário traçado por Carlos Aguiar, diretor de agronegócios do Santander e uma das maiores autoridades bancárias quando o assunto é a concessão de crédito no campo.
“O produtor continua alavancado. Não vai dar para receber de todo mundo e ir embora. O produtor precisa de algumas safras para desalavancar”, disse Aguiar em entrevista ao The AgriBiz.
A fala do diretor do Santander faz coro às avaliações feitas recentemente por outras duas figuras de proa do agronegócio brasileiro: Paulo Sousa, presidente da Cargill no Brasil; e André Pessôa, CEO da Agroconsult. O chefe da trading, por exemplo, sugeriu o freio de arrumação ainda vai levar de dois a três anos.
No Santander, o tempo necessário para a desalavancagem dos produtores de grãos não é uma surpresa e tampouco assusta. “Não estamos aqui para dois ou três anos. Estamos aqui para muito tempo”, ressaltou Aguiar.
Para quem ingressou no agronegócio mais recentemente, durante o boom de commodities que ocorreu na pandemia, o processo pode parecer moroso demais, mas não difere de outras crises.
“Pode ser um pouco frustrante para quem não está acostumado e para o mercado de capitais, mas isso acontece a cada tantos anos”, disse Aguiar.
A grande questão para os mais jovens é que, por uma conjunção estelar, a cadeia produtiva de grãos do Centro-Oeste vinha de safras extraordinárias por quase dez anos, combinando preços altos e produtividade excelente, com margens que chegaram a incríveis 50% no mercado de soja.
Por causa disso, muitos ainda não tinham visto uma crise na cadeia de grãos. A última, efetivamente, ocorreu em 2016, quando executivos como Aguiar, Sousa e Pessôa já estavam embrenhados no setor.
A experiência ajudou a preparar a estratégia do Santander para lidar com a crise de preços baixos e quebra de safra que assolou o Centro-Oeste na temporada 2023/24. Ainda no fim de 2023, o banco deflagrou uma estratégia para alongar as dívidas dos agricultores por até três anos.
Agora, Aguiar já nota alguns sinais positivos, a começar pela excepcional safra que será colhida. A produção agrícola também é uma demonstração de continuidade do crédito no campo. “Efetivamente, o mercado rolou a safra, o que é uma boa notícia. A safra vai fluir e a vai ter troca de dinheiro”.
Isso é o que vai permitir o início do processo de desalavancagem — e não sua resolução completa —, disse Aguiar. “O que estou esperando para a safra 2024/25? Um fluxo de caixa decente que vai permitir ao produtor pagar alguma coisa entre juros e principal, renegociando o saldo para continuar desalavancando”.
Nesse processo, a Selic permanece como um incômodo. “Quanto maior for a taxa, mais longo vai ficar o tempo de desalavancagem porque o serviço de dívida fica pressionado”, argumentou o diretor do Santander.
Diante da excessiva alavancagem que alguns incorreram durante o boom, é razoável supor que a recuperação não virá para todos. “Vai ter gente que vai atravessar, gente que vai ser ajudada e, infelizmente, gente que não vai sobreviver”.
Nesse momento de rearranjo, o Santander optou pelo conservadorismo na carteira de crédito. “Não espero nenhum crescimento grande. Estamos muito mais cuidando dos clientes que são nossos do que em um rouba-monte”.
Atualmente, a carteira de crédito agro do Santander soma R$ 53 bilhões, em uma conta que considera a visão por tipo de produto, ou seja, estão incluídas apenas as linhas estritamente ligadas ao agronegócio.
Quando considera a visão por tipo de cliente, métrica usada por outros bancos (como Bradesco e Itaú BBA) para divulgar os dados relativos ao agro, a carteira do Santander é da ordem de R$ 100 bilhões. Nessa métrica, estão desde linhas de financiamento à exportação tomados por clientes do setor até fianças bancárias.
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O Santander não abre os dados de inadimplências por setor, mas o desempenho do Banco do Brasil, maior financiador do agronegócio, mostra o comportamento da carteira.
Entre 2023 e 2024, a inadimplência no crédito para o agronegócio do BB passou de 0,71% para 1,97%. Ainda é um nível baixo, mas com uma piora sensível. “Não teve quem não se machucou”, disse Aguiar.