Não é de hoje que o agricultor pede mais prazo para pagar suas dívidas diante de baixos preços das commodities. Pelo contrário, essa é a tônica no campo: o produtor prefere segurar a soja à espera de preços mais altos, mesmo que isso resulte em custos adicionais, como de juros ou de armazenagem.
Vender a soja com prejuízo está (quase sempre) fora de cogitação.
Esse racional, que tem tirado o sono da Faria Lima, não é uma exclusividade de produtores menos capitalizados ou com menos acesso à informação. Resguardadas as devidas proporções —e os efeitos sobre a cadeia—, esse pensamento está presente até nos grandes grupos agrícolas.
A BrasilAgro, por exemplo, sacrificou o balanço do primeiro trimestre à espera de uma recuperação no preço da soja. Diante de prêmios negativos nos portos e de margens ínfimas na venda do produto que estava sendo colhido, a empresa decidiu paralisar temporariamente a comercialização.
A estratégia parece ter sido assertiva, já que, a partir do final de abril, os prêmios voltaram para o terreno positivo e a empresa retomou as vendas. Mesmo assim, até 8 de maio, data da divulgação de seus resultados, a BrasilAgro havia vendido apenas 50 mil das 200 mil toneladas que deve colher na safra 2023/24.
A SLC Agrícola, uma das maiores produtoras de grãos do País, também debateu com analistas a sua estratégia de comercialização durante a teleconferência de resultados. A empresa foi questionada sobre o baixo percentual de fixação de sua produção, especialmente de algodão (no caso da safra 2024/25, nada foi hedgeado). A resposta do CEO Aurélio Pavinato é simples: preços baixos.
Segundo ele, preços entre US$ 0,80 e US$ 0,85 por libra-peso são adequados em termos de rentabilidade. Mas os contratos futuros com vencimento em 2025 nunca chegaram a US$ 0,80. Por isso, a empresa ainda não se movimentou. A mesma lógica vale para o milho.
“É melhor esperar e correr o risco do que vender milho a R$ 30 a saca em Mato Grosso”, acrescentou Pavinato. Até a semana passada, a companhia havia vendido apenas 38% da safra atual, bem abaixo do esperado para essa época do ano, de pelo menos 50%. A SLC espera que os preços das duas commodities se recuperem nos próximos meses.
Pavinato fez uma reflexão interessante sobre o comportamento do preço das commodities em meio às mudanças climáticas —o que pode ter efeitos na forma de comercialização daqui para frente.
“Temos de estar preparados para maior volatilidade nos preços das commodities com os efeitos climáticos, cada vez mais, gerando quebras de safras”, disse.
E o produtor?
As empresas mencionadas têm baixa alavancagem, um caixa (ou previsão de caixa) confortável e acesso amplo a crédito, é verdade. No caso delas, a decisão de atrasar a comercialização não impacta investidores, credores ou fornecedores. É diferente de um produtor que tenha emitido CPRs como garantia para se financiar, por exemplo. A ameaça de inadimplência —ou até de uma recuperação judicial nos casos mais extremos— pode resultar na desvalorização de cotas de Fiagros na ponta.
Para os que estão menos familiarizados, a CPR (Cédula do Produtor Rural) é um título de crédito normalmente usado para recebimento antecipado da comercialização dos produtos agrícolas. Exemplo: o agricultor pode emitir uma CPR para adiantar recursos para o plantio, entregando-a como garantia a um fabricante de insumos ou revenda.
A CPR, na prática, gera um recebível que pode culminar na emissão de outros títulos de crédito, como o CRA (Certificados de Recebíveis do Agronegócio). E esses títulos, por sua vez, podem compor a carteira dos Fiagros, que são listados e têm mais de 500 mil investidores pessoa física.
Ou seja, a sofisticação do mercado de crédito ligou o agricultor ao investidor nos grandes centros urbanos. No meio do caminho, estão executivos do mercado financeiro que ainda conhecem pouco sobre os negócios no campo e se assustam com o comportamento “devo, não nego, pago quando puder” do produtor. Em anos de baixa, como o atual, renegociações são normais e pequenos atrasos, de 30 ou 60 dias, são até culturais.
“Ele vai pagar quando os preços melhorarem. É assim desde sempre, é o jeito que ele sabe fazer negócio”, diz um gestor de crédito com ampla experiência no setor.
Existem exceções, como os produtores que acabaram se alavancando muito nos tempos de vacas gordas e também os mal-intencionados, como em todo os setores. Mas, pelo que o histórico indica, a maioria sempre paga. A Faria Lima é que não sabia.
O resultado
A tática do produtor rural deu (pelo menos algum) resultado. Embora os preços da soja ainda estejam abaixo do desejado, houve uma recuperação refletindo a ausência do agricultor na ponta vendedora.
“Com os produtores segurando, os compradores domésticos, para esmagamento, passaram a indicar preços mais altos para originar soja. A exportação seguiu os mesmos passos”, afirmou Daniele Siqueira, analista da AgRural. Como as compras de soja, principalmente dos clientes chineses, foram fracas no início do ano, havia um bom volume que precisava ser comprado para embarque a partir de março. “Isso deu um belo suporte aos prêmios de exportação, que puxaram a formação de preço para cima.”
Além disso, a desvalorização do real e algumas altas na Bolsa de Chicago resultaram em uma valorização de 10% no preço da soja no porto de Paranaguá desde o início de abril, segundo o indicador Cepea/Esalq.
Como consequência, a comercialização de soja atingiu 51% da safra 2023/24 no dia 6 de maio, um avanço de dez pontos percentuais ante 41% no mesmo período de abril, segundo dados da consultoria Safras & Mercado. Ainda assim, elas continuam abaixo da média das últimas cinco safras, de 65%.
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