O último relatório da Serasa Experian sobre os pedidos de recuperação judicial de produtores rurais já é amplamente conhecido — debatido. Como se sabe, o número de pedidos aumentou 535% no ano passado.
Embora tal relatório tenha mostrado um aumento relativo significativo, não fez o mesmo em termos absolutos, pois foram somente 127 pedidos, um percentual muito baixo. Existem mais de 5 milhões estabelecimentos rurais no Brasil, como mostra o último censo agropecuário do IBGE.
Ainda que seja um percentual absoluto pequeno, é fato que já existem casos de RJs que representam volumes de crédito expressivos, de dezenas e centenas de milhões de reais. Só isso já atrai, justificadamente, a atenção do mercado para as próximas etapas da história.
No mundo rural, mesmo com a aplicação de tecnologia no campo em maior escala e maior disponibilidade de áreas para plantio, fatores externos sempre contribuirão para o sucesso da atividade de produção rural.
Tendo isso em vista, como forma de buscar maior competitividade para a atividade agropecuária de seus países no mercado internacional, Estados Unidos, França e Alemanha, por exemplo, desenvolveram há tempos leis no sentido de viabilizar a recuperação judicial do produtor rural.
A lei no Brasil
Em breve histórico, é importante mencionar que as leis brasileiras já consideravam a atividade de agricultura como empresarial desde a edição do Estatuto da Terra em 1960. Essa visão foi repetida no Código Civil de 2002 e resultou no julgamento do recurso especial nº 1.800.032/MT pelo STJ, onde, por maioria, decidiu-se que não seriam exigidos os dois anos de registro público de empresas para que o produtor rural pudesse pleitear a recuperação judicial.
Ainda assim, contrariamente ao que pode parecer, o problema da efetividade da recuperação judicial no Brasil não deriva da legislação. Nesse sentido, é importantíssimo mencionar levantamento realizado pelo Banco Mundial, em que foi demonstrado que, dentre a legislação de 190 economias, a Lei 11.101/05 responde positivamente a quesitos muito importantes, estando à frente ou em posição equivalente àquela das leis de países com índices de recuperação de crédito muito melhores que os do Brasil, como Japão, Noruega e Holanda.
Apesar da legislação, índice de recuperação de crédito do Brasil nesse estudo equivaleu a 18,2%, enquanto os dos três países anteriores equivaleram a, 92,8%, 91,9% e 90,1% respectivamente. Já que nossa lei é, em teoria, suficientemente desenvolvida nesse sentido, qual é o problema, então?
Note-se que a lei brasileira responde e fornece recursos nos quatro principais quesitos avaliados no trabalho do Banco Mundial, sendo eles: (i) Iniciação do processo de RJ; (ii) Gestão dos ativos do devedor; (iii) Procedimentos de reorganização; e (iv) Participação dos credores.
Sendo assim, por que se recupera em média menos de 20% do crédito em uma recuperação judicial no Brasil?
As razões do atraso
A resposta está em alguns fatores, como a falta de um sistema único de busca de ativos móveis. Não há um registro único e eletrônico sobre ativos deste tipo, com recursos como criação, publicidade e execução das garantias.
Além disso, falta-nos a criação e manutenção de varas especializadas suficientes para atender a demanda dos jurisdicionados. No Brasil, existem apenas 23 varas especializadas em falências e recuperações judiciais, concentradas em 10 estados. Existem muitos estados que tem apenas uma vara especializada e outros que não as têm em absoluto.
Outra deficiência relevante do procedimento brasileiro é o seu tempo de conclusão. No Brasil, a média em levantamento é de 4 anos, mas sabe-se que existem procedimentos de recuperação e de liquidação de duração ainda maiores. Crimes falimentares e comportamento contra os princípios de interesse coletivo da recuperação judicial alimentam esse excesso de tempo. No Japão, por exemplo, país melhor colocado no levantamento do Banco Mundial, o tempo médio para conclusão do procedimento é de aproximadamente 7 meses.
Se o melhor sistema de recuperação de crédito é aquele em que o recuperando tem ferramentas efetivas para retomar a viabilidade financeira e os credores acesso a melhores meios para negociar e ter maiores chances de reaver o recurso investido, podemos afirmar que o Brasil ainda se encontra a muitas etapas de atingir esses objetivos.
Enquanto isso, a saída para os credores mais atentos às recuperações judiciais no campo é se apoiar nas estruturas de crédito mais seguras, como aquelas com CPRs em operações de barter ou de antecipação de preço, ou as clássicas com garantia de alienação ou cessão fiduciária.
Logicamente, deverão enfrentar com energia as discussões processuais de extraconcursalidade e, na maior parte das vezes, as de essencialidade dos bens em garantia, sabendo que poderão se deparar com decisões contrárias à lógica jurídica em primeira e, por vezes, em segunda instância também.
É importante que sejam proativos na análise da efetiva “crise de insolvência” a ser provada pelo produtor rural no início do procedimento de recuperação judicial, realizando por conta própria o teste de crise de liquidez ou crise patrimonial teoricamente enfrentadas pelo recuperando. Essa providência guiará os trabalhos durante o processo. A vigilância sobre o crédito deve ser contínua, desde seu processo de aprovação até a recuperação, seja regular e extrajudicial ou em procedimento de RJ.
Mesmo que estejamos tratando de procedimentos não representativos de percentual elevado frente ao número de estabelecimentos rurais, como já tratado de início, nunca as discussões sobre a qualidade da análise de crédito e assistência jurídica foram tão presentes e pertinentes. Aqueles que passarem nesse teste terão as melhores chances de elevar o percentual médio de recuperação de crédito no país.
***
Fábio Giorgi é advogado, bacharel e mestre em Direito do Comércio Internacional pela USP, sócio do Giorgi Martins Advogados, escritório de Londrina que atua na estruturação de CRAs e assessora gestoras de Fiagro como a Kijani Capital e companhias como a Agrogalaxy.