Após prorrogação

UE publica guia para atender à lei antidesmatamento

Apresentado nesta semana pela Comissão Europeia, guia esclarece pontos importantes, como o papel da legislação dos países produtores e das certificações

Bandeira da UE; imagem para lei antidesmatamento | Crédito: Schutterstock

A comunidade internacional foi surpreendida, na última quarta-feira (2), com a notícia de que a Comissão da União Europeia sugeriu a prorrogação da entrada em vigência do EUDR, o regulamento da UE para produtos livres de desmatamento, após ouvir vários representantes (locais e estrangeiros) dos setores afetados.

A notícia foi auspiciosa porque, embora o regulamento faça parte do ambicioso Green Deal da UE, não está imune a críticas internas e externas, entre as quais a falta de clareza em relação a determinados conceitos nele incluídos.

Assim é que, em resposta a essas críticas, e com base em previsão do próprio EUDR, a Comissão Europeia além de propor a extensão do prazo para entrada em vigência das regras, enviou para a aprovação do Parlamento Europeu, também na quarta-feira, a minuta de um guia (o Guidance Document for Regulation (EU) 2023/1115 on Deforestation-Free Products) com orientações para facilitar a implementação harmonizada do regulamento.

Este guia não é juridicamente vinculativo. O seu único objetivo é fornecer informações sobre determinados aspectos do regulamento europeu que visa combater o desmatamento e promover práticas sustentáveis na cadeia de suprimentos global.

Dessa forma, não substitui, acrescenta ou altera as disposições do EUDR, e não deve ser considerado de forma isolada, mas utilizado em conjunto com o texto do regulamento, não servindo como única referência.

Apesar dessas ressalvas, o guia, organizado em 11 capítulos e dois anexos, traz importantes esclarecimentos sobre o EUDR, ainda que não atenda a todas as dúvidas que os agentes internacionais vinham apontando insistentemente.

Alguns dos principais esclarecimentos trazidos pelo guia tratam da questão da avaliação do risco de não conformidade dos produtos prevista no artigo 10 do regulamento, do papel da legislação relevante nos países produtores e o papel das certificações e dos esquemas de verificação de terceiros.

Avaliação de riscos

O guia aponta que existem várias formas de realizar a avaliação dos riscos de não conformidade dos produtos, tendo o operador que respeitar os critérios enumerados na cláusula 10, parágrafo 2 do EUDR para cada produto relevante, incluindo as seguintes questões e considerações:

  • Em relação ao local de produção: Qual é o nível de risco atribuído ao país ou região de acordo com o artigo 29? Qual é a taxa de cobertura florestal e qual é a taxa de degradação florestal ou desmatamento local? Qual é a taxa da produção ilegal do produto relevante nesse país ou região? Em relação aos riscos específicos do produto: Quais são esses riscos? Qual a complexidade da cadeia de suprimento desse produto?
  • Em relação à cadeia de suprimento dos produtos: Há indícios de que alguma empresa da cadeia produtiva esteja envolvida em práticas relacionadas à ilegalidade, desmatamento ou degradação florestal?
  • Em relação ao ambiente institucional do país produtor: Os produtos relevantes foram feitos de acordo com a legislação pertinente do país de produção? Existem motivos para preocupação em relação a temas como nível de corrupção, prevalência de falsificação de documentos e dados, falta de aplicação da lei, violações dos direitos humanos internacionais, conflito armado ou prevalência de sanções impostas pela ONU Conselho de Segurança ou Conselho da União Europeia? Todos os documentos que demonstram o cumprimento da legislação aplicável são disponibilizados pelo fornecedor e são imediatamente verificáveis?

O papel da legislação interna

Em relação ao segundo tema, o guia aponta uma lista exemplificativa e não exaustiva da legislação interna dos países produtores a serem consideradas para os fins de verificação do nível de aderência legal da produção, incluindo:

  • Regulamento sobre Direitos de uso da terra tais como: legislação sobre transferência de terras, em particular para terras agrícolas ou florestas, legislação sobre arrendamento de terras;
  • Leis de Proteção ambiental como: legislação sobre áreas protegidas,  sobre proteção e restauração da natureza e proteção e conservação da vida selvagem e da biodiversidade, regras sobre gestão florestal, legislação antidesmatamento;
  • Proteção a Direitos de terceiros, incluindo direitos de uso e posse afetados pela produção de mercadorias e produtos relevantes, e direitos tradicionais de uso da terra dos povos indígenas e comunidades locais;  
  • Direitos trabalhistas e direitos humanos protegidos pelo direito internacional, incluindo os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais, direitos à terra, territórios e recursos, direitos de propriedade, direitos em relação a tratados, convenções e outros acordos construtivos entre povos indígenas e Estados.

Sobre este tema ainda, o guia esclarece que as informações, incluindo documentos e dados que demonstrem a conformidade com a legislação aplicável no país de produção, devem ser recolhidas como parte da obrigação de devida diligência. Isso inclui informações relacionadas com qualquer acordo que confira o direito de utilização da respectiva área para efeitos de produção da mercadoria em causa.

A necessidade de um título de terra ou outra documentação de um acordo depende da legislação nacional; se a posse de um título de terra não for exigida pela legislação nacional para produzir e comercializar produtos agrícolas, não é exigida pelo EUDR.

O papel das certificações

O guia esclarece que o EUDR não obriga: (1) os operadores a utilizarem ou aderirem a tais certificações, (2) os países produtores a desenvolverem tais certificações, ratificando que a utilização de esquemas de certificação por terceiros não é um requisito legal, mas uma decisão voluntária do operador.

Ao mesmo tempo, ele considera a possibilidade de recorrer a sistemas de certificação ou de sistemas verificados por terceiros, dado o seu potencial valor no fornecimento de informações complementares, tais como sobre coordenadas de geolocalização, e no apoio à avaliação de risco dos operadores realizada como parte do seu exercício de devida diligência de que os produtos relevantes são legais e isentos de desmatamento.

O guia faz uma extensa abordagem sobre os cuidados a serem observados com as certificações e lembra que existe uma grande diversidade de regimes em termos do seu âmbito, dos seus objetivos da sua estrutura e dos seus métodos de funcionamento.

Uma distinção importante é (1) se eles dependem ou não de um procedimento de certificação de terceiros, agrupando-os assim em esquemas de certificação e verificados por terceiros, por um lado, e (2) esquemas de autodeclaração, por outro. O guia alerta que estes últimos são, por definição, menos robustos devido à falta de independência e imparcialidade.

Definição de floresta

Por fim, o guia ainda traz um importante esclarecimento sobre a definição de floresta (ainda que reproduzindo neste caso o conceito da FAO já adotado pelo EUDR) complementado pela definição de ‘uso agrícola’ da terra e suas exceções.

O guia não é o único recurso para os interessados buscarem mais informações e esclarecimentos sobre a aplicação do EUDR. A Comissão Europeia disponibiliza em seu site uma coleção de Perguntas e Respostas que também foi atualizada nos primeiros dias de outubro de 2024.

Há ainda muito por ser esclarecido e detalhado, como o sistema de benchmarking entre os países produtores que levará ao sistema de avaliação de risco por país ou região (riscos padrão, risco baixo e risco alto) com implicações para o grau de desenvolvimento da devida diligência por parte dos operadores afetados e, consequentemente, para o seu custo final, assunto que tem preocupado os produtores mundo afora.

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Frederico Favacho é sócio de agronegócios do Santos Neto Advogados.