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Uma oferta hostil excêntrica chacoalhou o agronegócio argentino, provocando uma disparada nas ações da Adecoagro, uma das maiores companhias agrícolas do vizinho sul-americano.
Listados na bolsa de Nova York, os papéis da Adecoagro subiram 13% nesta terça-feira, numa reação imediata do mercado à oferta hostil feita pela gigante de criptomoedas Tether para assumir o controle do grupo agrícola. As ações fecharam o dia cotadas a US$ 10,98.
Emissora da stablecoin USDT, uma das criptomoedas mais conhecidas do mercado, a Tetther ofereceu US$ 12,41 por ação da Adecoagro para elevar a sua participação da companhia argentina dos atuais 20% para 51%.
A oferta embute um prêmio substancial de 27% em relação ao fechamento de sexta-feira, o que abre margem para que um negócio ocorra — especialmente porque a Adecoagro é uma companhia de capital pulverizado (uma corporation, no jargão do mercado).
O preço da oferta representa também o maior patamar em que as ações da Adecoagro foram avaliadas desde que a companhia argentina abriu capital na bolsa de Nova York, em 2011.
Em comunicado, a companhia informou que o conselho e os executivos da companhia liderada por Mariano Bosch estão analisando a proposta junto com os seus assessores legais e financeiros.
Agora, a expectativa é que o conselho consiga melhorar a oferta ainda mais — o que poderia incluir até mesmo uma tentativa de vender a companhia como um todo.
Da Juventus à Adecoagro
O interesse da Tether na Adecoagro surgiu curiosamente no ano passado, quando o grupo agrícola adquiriu uma participação minoritária em uma agtech argentina dedicada à tokenização de ativos agrícolas — a LandToken, ligada à Agrotoken —, lembra Thiago Duarte, analista do BTG Pactual.
Há menos de seis meses, a participação da Tether na Adecoagro era de 9,8%, uma fatia que cresceu de forma acelerada ao longo do tempo. Em novembro do ano passado, a emissora de stablecoins dobrou a sua participação no capital da companhia, chegando a 19,4%. Três meses depois, quer assumir o controle.
Desde o ano passado, a empresa de criptomoedas investiu mais de US$ 200 milhões em compras de ações de empresas de diferentes setores, segundo cálculos da Bloomberg. Entre os alvos estão o clube de futebol italiano Juventus e a plataforma de mídias digitais Rumble.
O investimento na Adecoagro visa a alocação de recursos em setores estratégicos, como finanças tecnológicas, inteligência artificial, biotecnologia e energia, segundo um comunicado da Tether mencionado em uma reportagem da Bloomberg.
O preço da excentricidade
Fundada por um grupo de empresários argentinos liderado por Mariano Bosh, a Adecoagro possui três usinas de cana no Brasil — duas no Mato Grosso do Sul e uma em Minas Gerais —, além de atuar nos mercados de grãos e lácteos na Argentina.
O negócio de açúcar, etanol e energia representa cerca de metade da receita e 70% do Ebitda da Adecoagro. Em 2024, no entanto, os resultados foram prejudicados pela seca e pela queda nos preços das commodities.
Na carta que contém a oferta, a Tether observa que a rentabilidade da Adecoagro vem caindo de forma significativa nos últimos trimestres, e ressalta que quer estabelecer uma parceria com a empresa sul-americana de olho em sua presença geográfica.
“A América do Sul é um dos mercados da USDT que crescem mais rapidamente, impulsionado em grande parte pela demanda da Argentina e do Brasil”, diz a Tether na carta mencionada pela Bloomberg. As stablecoins têm crescido bastante em mercados emergentes, afetados pela inflação e desvalorização cambial.
Ainda de acordo com a carta, a Tether pretende manter os principais executivos na empresa caso a oferta seja aceita, como parte de um novo plano estratégico para o negócio. Uma proposta que atende a uma das maiores preocupações de analistas que cobrem a Adecoagro.
“Um acionista controlador com nenhum histórico na gestão de ativos agrícolas só faz sentido se a Adecoagro conseguir manter sua equipe de gestão a bordo, e que não se desvie dos principais diferenciais na gestão do negócio”, escreveu Thiago Duarte, do BTG, em relatório sobre a oferta.
Outro ponto levantado pelo analista é a importância de ter alguma clareza se o controlador teria interesse em possuir uma participação total na empresa. Sob o ponto de vista de preço, a oferta parece fazer sentido. Além de ultrapassar a máxima histórica do papel, está bem acima da média dos últimos seis e 12 meses, de US$ 10,62 e US$ 10,26 por ação, respectivamente.