BURI (SP) — A adaptação das práticas agrícolas em um planeta cada vez mais desafiado pelas mudanças climáticas é um assunto incontornável para uma potência como o Brasil. O consenso sobre o que fazer, no entanto, ainda parece distante. Afinal, por onde os produtores rurais devem começar? Muitas das respostas já existem, mas estão soltas. Até agora.
Ao lado da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), a Folio — uma iniciativa sem fins lucrativos capitaneada por Luis Barbieri, fundador da Raiar — quer mudar essa lógica, criando uma fonte central capaz de testar e comprovar diferentes hipóteses de novas práticas agrícolas.
Em uma parceria de longo prazo, com pelo menos cinco anos de duração, a Folio quer testar e disseminar o conhecimento a partir do Lagoa do Sino, campus da universidade que fica localizado em Buri — a mais de 250 quilômetros da capital paulista.
O local escolhido foi a dedo. O campus conta com um ativo raríssimo nas universidades brasileiras: uma fazenda produtiva em escala comercial. São 630 hectares, sendo 380 deles produtivos, em que são cultivadas culturas como soja, milho, trigo, sorgo, feijão, aveia, centeio e triticale.
“Vamos criar um conhecimento que vai ser útil para toda a produção de grãos no Brasil”, anima-se Barbieri, cofundador da Raiar, em uma conversa durante uma visita da reportagem ao campus da UFSCar.
Na Lago do Sino, não é só o porte da propriedade se equivale a uma fazenda comercial. A necessidade financeira é crucial: hoje, o campus sobrevive a partir dos recursos da produção agrícola ali estabelecida. Anualmente, são cerca de R$ 7,5 milhões a R$ 8 milhões em faturamento com os produtos cultivados na fazenda.
A pegada ambiental não vem por acaso. O campus surgiu a partir da doação do escritor Raduan Nassar — autor do premiado Lavoura Arcaica —, que o fez com a condição de que, no local, fosse estabelecida uma instituição de ensino capaz de criar uma agricultura mais sustentável, focada no desenvolvimento regional do Vale do Paranapanema e em novas soluções para o pequeno produtor.
Todos esses fatores reuniram as condições ideais para o trabalho entre Folio e UFSCar. Juntas, as instituições buscam construir um arcabouço de informações a respeito da transição em direção a uma agricultura com mais insumos biológicos e, de certa forma, mais orgânica também.
O esforço se paga
No Lagoa do Sino, Barbieri quer mostrar que o esforço em práticas agronômicas regenerativas compensa, como os pequenos produtores que fornecem grãos orgânicos para a produção de ração na Raiar já sabem.
“Muita gente na agricultura fala sobre a necessidade de pagamento pelos serviços ecossistêmicos da agricultura. E o que eu tenho falado para os produtores é que o grão orgânico, eu já pago 30% a mais na soja e no milho. Qual o desafio? Fechar o ciclo da tecnologia para entregar esse modelo”, prossegue Barbieri.
Para isso, é preciso conectar outros elos da cadeia. Além da Folio e do trabalho dos professores e pesquisadores da universidade, o projeto quer reunir indústrias de bioinsumos, fertilizantes orgânicos, de sementes, além de consumidores e produtores rurais.
Esse ecossistema de stakeholders pode ajudar na sistematização do conhecimento sobre agricultura regenerativa, um ponto possível a partir da troca entre diferentes agentes envolvidos no agronegócio.
A Embrapa, por exemplo, já é um dos parceiros do projeto. “O interesse da comunidade vem crescendo de forma progressiva. Produtores de tamanhos variados, além do governo federal, empresas privadas, assentamentos e agricultura familiar de pequeno porte, são alguns exemplos”, diz o professor Alberto Luciano Carmassi, diretor do campus Lagoa do Sino da UFSCar.
As etapas do projeto
A parceria entre a Folio e a UFSCar é um projeto de gestação longa. As conversas começaram há pelo menos três anos, resultando no aval para conseguir começar os testes na fazenda no ano passado, em uma área de quatro hectares. Nessa área, até se chegou a plantar milho em 2023, mas, com o verão extremamente quente, a experiência não trouxe resultados.
Ao longo do último ano, a universidade e a Folio também iniciaram uma discussão para fazer a transição de manejo de defensivos químicos para um manejo biológico na fazenda. Neste ano, serão de 70 a 100 hectares participando dessa transformação, a partir da primeira versão do plano.
Na primeira etapa, a área alvo reduzirá o uso de inseticidas e fungicidas. Depois disso, a ideia é usar compostagem para substituir parte da adubação química, além do plantio de diferentes espécies para aumentar a rotação de culturas para além dos grãos, num processo que melhora a saúde do solo.
Em um pedaço pequeno da área da fazenda, o projeto fará mudanças mais aceleradas de prática agronômicas, testando os resultados. Os diagnósticos serão acompanhados com análise de solos por um comitê compostos por funcionários e pesquisadores da fazenda, consultores e indústrias de insumos.
Além do comitê, a segunda camada da governança para o plano de transição é acadêmica. Hoje, a Ufscar reúne cerca de 80 professores e quase mil alunos. A ideia é que esse grupo use a fazenda para TCCs, trabalhos de semestre e de mestrado, trazendo dados e conhecimento acadêmico sistematizado.
De onde vem o dinheiro?
Para tocar o projeto no campus da universidade, a Folio contou com um financiamento inicial de R$ 300 mil feito pelo Instituto Ibirapitanga, organização sem fins lucrativos que pertence ao cineasta Walter Moreira Salles — um dos herdeiros do Itaú Unibanco — e está engajado na causa dos sistemas alimentares.
“Apoiamos pelo menos 50 projetos. Abordamos temas que compreendem a questão dos ultraprocessados, uso de agrotóxicos, políticas públicas para municípios e alimentação escolar”, contou Iara Rolnik, diretora de programas do Instituto Ibirapitanga.
Com o financiamento inicial, a iniciativa de Folio e UFSCar estruturou a governança. Agora, com uma visão mais clara para os próximos cinco anos, a ideia é buscar mais apoiadores. Neste momento, a iniciativa trabalha no orçamento para conhecer o montante necessário no longo prazo.
Por enquanto, a ideia é ter três camadas de financiamento. Uma delas é acessar a rede de filantropia preocupada com sistemas alimentares; a outra é acessar financiamento público (envolvendo parcerias com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, Fapesp, instituições de ensino, projetos de FINEP, por exemplo) e uma terceira camada de parceiros privados que tenham interesse em ajudar a sistematizar esse conhecimento.
“Nesses primeiros cinco anos, a filantropia vai ser importante para estruturar o projeto. Gradativamente, o dinheiro da filantropia vai sendo substituído pelo dinheiro da iniciativa privada e do Estado, até que possa se sustentar sozinho”, resumiu Barbieri.
*A jornalista viajou a convite da Folio