Entrevista

Agrogalaxy começa a virar o jogo, mas travessia ainda leva tempo

“Fomos a primeira companhia a pintar um cenário de mercado difícil. Naquele momento, fomos taxados como os maus do negócio. Agora, tem muita empresa tentando fazer o ajuste que nós já fizemos”, diz Welles Pascoal, CEO da Agrogalaxy

Enquanto a Agrogalaxy era alvo de uma boataria desenfreada, Welles Pascoal chegou a ouvir que a crise que combinou estoques abarrotados e um alto nível de inadimplência dos agricultores era um problema exclusivo da companhia.

Seis meses depois, a rede de revendas controlada pelo Aqua Capital — a firma de private equity fundada por Sebastian Popik — começa a mostrar sinais de que está virando o jogo. Mas não só.

Se alguém ainda tinha dúvida no início do ano, quando a administração da Agrogalaxy deu as indicações das dificuldades que estavam pela frente no mercado de insumos agrícolas, agora está bastante claro que o problema era generalizado. Que o digam os balanços de indústrias como FMC e Syngenta.

“Naquele momento, fomos taxados como os maus do negócio. Agora, tem muita empresa tentando fazer o ajuste que nós já fizemos”, diz Welles Pascoal, CEO da Agrogalaxy, em entrevista ao The Agribiz.

Welles Pascoal
O CEO da Agrogalaxy, Welles Pascoal, diz que empresa terminará 2023 com “inventário altamente saudável” | Crédito: Divulgação

A companhia ainda enfrenta um mercado difícil, mas já conseguiu renegociar boa parte dos passivos de curto prazo com os bancos, rolando R$ 840 milhões — mais de R$ 600 milhões agora só vencerão em três anos. Além disso, mantém R$ 900 milhões em caixa e vem conseguindo melhorar as contas de capital de giro.

Por enquanto, as vendas ainda estão em queda, mas a Agrogalaxy conseguiu uma margem bruta recorde de 18,2% no terceiro trimestre, mostra o balanço divulgado na noite de segunda-feira. Na última linha do balanço, a empresa teve um prejuízo de R$ 88,7 milhões.

O Ebitda caiu 54,9% no trimestre, mas a administração está confiante de que vai bater o guidance de R$ 500 milhões em 2023 (em nove meses, foram R$ 413 milhões), levando o índice de alavancagem para baixo de 3 vezes determinados pelos covenants. Em setembro, esse indicador atingiu 4,2 vezes.

Controle de despesas

Para lidar com o mercado mais arredio, a Agrogalaxy vem fazendo um trabalho interno de corte de despesas. No balanço do terceiro trimestre, a companhia mostrou uma redução de R$ 54 milhões nas despesas, em comparação com o mesmo período do ano passado.

“Teve gente que não acreditou que a iríamos fazer isso, mas estamos com R$ 54 milhões a menos mesmo tendo aberto 24 filiais”, disse Eron Martins, diretor financeiro e de relações com investidores.

O balanço recém-divulgado também traz um retrato da gestão de capital de giro, uma questão crucial para a revenda. No terceiro trimestre, o ciclo de conversão de caixa melhorou em 31 dias, um reflexo da redução da inadimplência da convergência para um nível de estoque mais saudável.

Depois de terminar a última safra com o equivalente a R$ 1,6 bilhão em estoque, a Agrogalaxy conseguiu reduzir os inventários. Com as renegociações com fornecedores de insumos, o que inclui a devolução de produtos químicos, a rede de revendas conseguiu reduzir os estoques em mais de R$ 400 milhões. Outros R$ 900 milhões foram vendidos, disse Pascoal.

“Vamos terminar o ano com um inventário altamente saudável”, projetou o CEO da Agrogalaxy. A ideia é fechar dezembro com um estoque (especialmente defensivos químicos e fertilizantes) abaixo de 15% da demanda anual. Idealmente, os estoques deveriam oscilar entre 12% e 15%, mas o indicador passou de 30% um ano atrás.

Agricultores negativados

O alívio no capital de giro também é um reflexo da melhora dos recebimentos que estavam atrasados. O índice de inadimplência, que disparou para níveis poucas vezes vistos (em algumas revendas, passou de 20%), vem caindo.

Na Agrogalaxy, o nível de inadimplência voltou para um dígito, de acordo com o CEO da companhia. Os esforços para receber contaram também com uma restrição maior na aprovação dos clientes. No processo, a companhia negativou mais de 600 clientes.

Para reduzir a inadimplência, a Agrogalaxy também vem ampliando o uso do barter (via recebimentos de grãos em contratos de entregas muitas vezes atrelados a tradings), como o diretor financeiro já havia indicado em recente entrevista. Na safrinha de milho, o bater aumentou 200%.

Faturamento cai

Apesar dos esforços da Agrogalaxy, os resultados do terceiro trimestre também mostram que a travessia completa ainda vai levar algum tempo até ser concluída. Para a rede de revendas, uma safra normal só deve ocorrer na temporada 2024/25, a partir de julho.

Até lá, o desempenho ainda estará sujeito ao ciclo de ajustes, o que deve ser afetado pelo clima menos benigno. No terceiro trimestre, por exemplo, a receita líquida da Agrogalaxy caiu 22,9%, somando R$ 2,3 bilhões.

A queda da receita da Agrogalaxy reflete, é claro, os preços mais baixos dos insumos agrícolas, mas também o adiamento das compras dos agricultores em regiões que atrasaram o plantio de soja em setembro por causa do calor excessivo. “Tivemos um verão na primavera”, lembrou Pascoal.

Com isso, uma parte do faturamento que seria realizado no terceiro trimestre ocorreu em outubro. Não à toa, as vendas da Agrogalaxy em outubro bateram recorde, atingindo R$ 1 bilhão.

Safrinha

O clima também será relevante para compreender o desempenho das vendas para a safrinha de milho, que deveria começar a ser plantada em janeiro. No entanto, os riscos de atraso no plantio já são muito altos.

“Algumas regiões vão perder a janela de plantio”, concordou o CEO da Agrogalaxy. Combinado aos preços baixos do milho, que reduzem o apetite do agricultor para semear o cereal, ele estima que a área plantada com milho no país deve cair de 10% a 20% na próxima safrinha.

Em bolsa, a Agrogalaxy está avaliada em R$ 665 milhões. No ano, as ações caem 60%.