Opinião

A demanda pela preservação é global, mas a conta é local

"O alto custo relativo dos alimentos básicos não vem da sua disponibilidade, mas da baixa renda média proporcional do brasileiro, um problema crônico do País"

Ouvimos e lemos sempre que a comida está cara porque o setor agropecuário exporta muitos alimentos, especialmente o chamado “grande agronegócio”. Dizem também que, porque ele exporta muito, não recolhe impostos.

Será que isso é verdade? Os números é que respondem, não eu.

Tomando os alimentos que compõem cesta básica como referência dessa afirmação, vamos comparar a produção interna com o volume desses produtos que é exportado e balancear a sua oferta com o que é importado pelo Brasil.

O resultado é que apenas 17% são comercializados internacionalmente, de modo que os 83% restantes permanecem no mercado interno disponíveis à população.

Já quando consideramos o que se denomina “grande agronegócio”, cuja natureza é comumente acusada de não servir à real nutrição da população brasileira – exemplo: soja, açúcar, café, algodão, etc. -, as dez commodities alimentares mais produzidas têm 39% de exportações, em média. O restante fica aqui, também disponível.

O fato é que o Brasil é uma mega potência ambiental e alimentar. Estima-se que o Brasil atualmente produza comida para alimentar 800 milhões de pessoas, ocupando apenas 30% do seu território com a atividade agropecuária, de acordo com a Embrapa, o MapBiomas e a NASA. Isso faz com que a perspectiva seja de que o País ganhe participação na nutrição global nas próximas décadas. O tema foi destaque no livro da Embrapa intitulado “Geopolítica de Alimentos – O Brasil como fonte estratégica de alimentos para a Humanidade”, publicado em 2019.

Os 70% restantes de nosso território, que não são utilizados para a produção de alimentos, ficam a cargo de proteção, conservação, preservação e infraestrutura para a população, a maior reserva ambiental da galáxia. Por isso, não é de se estranhar que a região tenha sido objeto de cobiça desde que fora descoberta até os dias atuais.

Sobre sua contribuição aos cofres públicos, estima-se que o agronegócio seja responsável por 23,65% da arrecadação tributária do País, bem em linha com a participação estimada do setor no Produto Interno Bruto (PIB), de 23,8%, o que destoa completamente da afirmação de que o setor não paga impostos.

Um ponto interessante a se notar é que o Brasil é o 28ª país que menos gasta com comida no mundo, o que poderia significar que o alimento aqui é barato. Mas, fosse assim, Sri Lanka e Venezuela não ocupariam os primeiros lugares desse ranking. Comparando custo alimentar básico e renda através do número de cestas compradas com um salário mínimo, nota-se que o Brasil ocupa a 52ª posição entre 67 países comparados.

Não coincidentemente, o Brasil também está entre os últimos lugares nos rankings de educação e, consequentemente, da produtividade da força de trabalho. Além disso, ocupa o 8º lugar do mundo no ranking de desigualdade social da Organização das Nações Unidas (ONU).

Considerando ainda que o Brasil produz alimentos para uma população com seis vezes seu próprio tamanho e exporta uma fatia de alimentos básicos que representa apenas um quinto de sua produção, fica claro que o alto custo relativo dos alimentos básicos não vem da sua oferta, nem da sua disponibilidade, mas da baixa renda média proporcional do brasileiro, considerado esse, inclusive, um problema crônico de nosso País.

Vale aqui a observação de que, dentre os biomas brasileiros, o que mais destina sua área à preservação é a Amazônia, com 84% de áreas reservadas à cobertura natural e 16% à produção agropecuária. Ao mesmo tempo, é lá que se encontram os municípios com os piores indicadores socioeconômicos do País e, consequentemente, as piores tragédias humanas que passam despercebidas aos olhos de quem fala sem conhecer a região.

Já o bioma mata atlântica possui 33% de cobertura natural e 65% de área destinada à produção agropecuária, mostrando que as políticas ultra preservacionistas da região norte precisarão ser revistas caso desejemos dar oportunidades aos 30 milhões de amazonenses.

Buscar políticas públicas que aumentem a renda per capita organicamente através do emprego é um caminho que certamente ampliará o acesso do brasileiro à comida segura e de qualidade, levando de lambuja desenvolvimento e um futuro digno às populações.

E, claro, também abrindo o caminho para que o produtor possa expandir a produção agropecuária de forma economicamente sustentada, com tecnologia, produtividade e através do apoio necessário para que a renda do consumidor e a oferta de alimentos possam caminhar em direções sinérgicas.