
Atenção, chocólatras: os preços do chocolate devem continuar subindo em resposta à disparada do cacau, que praticamente triplicou de valor no ano passado devido a um buraco entre oferta e demanda. Para agravar ainda mais a situação, poucos países têm condições de aumentar a produção da commodity de forma significativa e rápida. Em posição privilegiada, está uma antiga estrela desse mercado: o Brasil.
O País produz hoje cerca de 200 mil toneladas por ano de cacau, praticamente metade do que fazia na década de 1980, e se tornou um importador líquido da commodity. O grande baque no setor ocorreu nos anos 1990, provocado pela vassoura-de-bruxa, um fungo que dizimou fazendas na Bahia. Agora, o Brasil trabalha para recuperar o volume perdido até 2030 — ou seja, duplicar a produção em cinco anos.
Grandes indústrias e fabricantes de chocolate, como Nestlé e Mondeléz, Barry Callebaut e Dengo, além de tradings como a Cargill, uniram-se à World Cocoa Foundation, associação dedicada à produção sustentável do cacau, em 2018. O objetivo? Melhorar a produtividade das fazendas brasileiras.
Conhecida como CocoaAction Brasil, a iniciativa visa promover a colaboração entre diferentes agentes, fomentando práticas agronômicas sustentáveis capazes de trazer resiliência para a cadeia produtiva do cacau, proporcionadas por práticas agrícolas sustentáveis.
“No Brasil, os produtores têm uma margem que lhes permite fazer investimentos, especialmente em momentos de alta da commodity, como o atual. É um cenário totalmente diferente de países como a Costa do Marfim e Gana, em que o perfil de fazendas, muito menor, e os pesados impostos não trazem esse acesso ao produtor”, explicou Chris Vincent, presidente da World Cocoa Foundation, a jornalistas durante visita a São Paulo na última sexta-feira.
Costa do Marfim e Gana respondem por metade da produção mundial de cacau, num modelo bem diferente do Brasil, que hoje é o sexto maior produtor com uma participação de apenas 4% no total. As fazendas africanas têm apenas dois hectares, em média, enquanto as brasileiras somam 20 hectares. Fazer testes ou convencer o produtor africano a mudar o manejo ganha contornos muito mais complexos do que no Brasil.
“O Brasil tem sistemas de agrofloresta comprovados. Não precisa desmatar mais terras para elevar a produtividade. E não tem problemas como o trabalho infantil, ainda muito presente em Gana e na Costa do Marfim. A capacidade de aumentar a oferta é sustentável e estamos muito entusiasmados com isso”, afirma Vincent.
Apesar de as circunstâncias no Brasil serem mais favoráveis à transformação do que na África, o processo não é exatamente fácil. “Quando começamos, tinha um ambiente de desconfiança, de conflito muito grande na cadeia, que passava por um histórico de 30 anos de crise, com desestruturação de crédito e de parcerias. Nos primeiros anos, focamos em construir governança, confiança e mostrar que o cacau tem oportunidades”, explica Pedro Ronca, diretor da CocoaAction Brasil.
Em 2018, quando a World Cocoa Foundation desembarcou no Brasil, o preço do cacau estava próximo dos US$ 2,5 mil a tonelada — bem distante dos US$ 8 mil atuais e do recorde de US$ 12 mil no ano passado.
Dobrar a produção até 2030
O trabalho rendeu frutos tanto na esfera pública como privada. No âmbito de governo, saiu do papel em 2023 o Plano Inova Cacau 2030, um documento feito em parceria com o Ministério da Agricultura que estabelece uma série de objetivos para a cadeia produtiva, como chegar a uma produção de 400 mil toneladas em 2030.
Trata-se de uma meta ambiciosa, mas plenamente factível, na visão de Ronca. Hoje, um dos maiores desafios para aumentar a produção de cacau no País está ligado à baixa produtividade por falta de conhecimento técnico — e iniciativas da instituição mostram que esse é um ponto capaz de ser remediado em um curto espaço de tempo.
Hoje, a média nacional de produtividade do cacau está em 350 quilos por hectare, enquanto um bom patamar, na avaliação do executivo, estaria acima de 1.000 quilos por hectare. “Não é difícil chegar nisso. Com boas práticas agronômicas, como adubação e correção de solo, a produtividade dobra ou até triplica em dois anos”, afirmou Ronca.
Os dados vêm de uma iniciativa conduzida pelo Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural), que passou a fornecer assistência técnica para produtores de cacau a partir de uma parceria com o CocoaAction. Em 2018, apenas 300 produtores de cacau (de um total de 93 mil) recebiam algum tipo de assistência técnica. Hoje, são mais de 5 mil.
Por meio de 12 visitas técnicas por ano, o Senar visita a lavoura, faz a análise de solo e passa as recomendações. O trabalho é gratuito para o produtor rural pelo período de dois anos, com o órgão subsidiando a maior parte desse custo.
“O cacau não era uma prioridade para o Senar em 2018 e nós queríamos mostrar que era uma grande oportunidade. É um projeto e tanto, porque essa assistência técnica é cara, é um investimento milionário, mas muito importante para o produtor garantir produtividade”, disse Ronca.
Esse não é o único projeto em andamento hoje. A CocoaAction também fez uma parceria com o Ciapra, um consórcio no sul da Bahia de 14 municípios, que presta assistência técnica para 2,4 mil produtores. Um quarto dos recursos vem da associação — que deve dobrar o total de produtores atendidos em curtíssimo prazo. Em um contexto mais amplo, o Plano Inova Cacau estabelece como meta 30 mil produtores atendidos até 2030.
Iniciativas como essa são fundamentais no contexto de produção do cacau brasileiro. Diferentemente de culturas estabelecidas no País, como a soja e o milho, que contam com grandes fazendas e uma área plantada de milhões de hectares, a produção inteira de cacau no Brasil soma 600 mil hectares, num cultivo que vem principalmente de pequenas propriedades: 70% dos produtores têm menos de 20 hectares de área, em fazendas concentradas principalmente na Bahia e no Pará.
“Muitos produtores têm poucas plantas. O ideal é ter de 800 a 1000 por hectare, mas é comum na Bahia ter 500 plantas produzindo bem. O restante morreu por seca ou doenças e, por causa da crise dos últimos anos, não houve replantio”, exemplifica Ronca.
Financiamento
No caminho para a reconstrução, financiamento é uma palavra essencial. Em 2017, os empréstimos de cacau no âmbito do Pronaf (financiamento à agricultura familiar) somavam apenas R$ 19,7 milhões.
Menos do que o financiamento para plantas ornamentais, relata Ronca. “Quando nós começamos, os bancos tinham restrição a financiar cacau. Nós chegamos a ouvir produtores relatando que, para pegar dinheiro para produzir cacau, tinham de submeter um projeto de pecuária, porque o dinheiro sairia mais fácil dessa forma”.
A ONG, então, partiu para um estudo de viabilidade econômica, de olho em mostrar que o cacau é viável, além de fazer a ponte com governo e instituições financeiras para aproximá-los desse diálogo. Uma dessas parceiras é a Conexsus, consultoria que ajuda os agricultores a fazer os projetos e submetê-los ao financiamento.
Com essa ponte, além do diálogo com Banco do Brasil, Banco do Nordeste e Banco da Amazônia, os resultados começaram a aparecer. Em 2021, o financiamento ao cacau por meio do Pronaf somou R$ 67 milhões. Outras iniciativas já estão em curso também. O Instituto Arapyaú deve lançar, na próxima semana, um fundo de impacto para fornecer crédito fora do Plano Safra aos produtores.
O setor privado também vem aumentando o financiamento ao cacau. De acordo com dados compilados pela ONG a partir das empresas financiadoras da CocoaAction, o montante gasto por elas em fomento da produção vai passar de R$ 132,5 milhões no período de 2017 a 2021 para R$ 448 milhões entre 2022 e 2026.
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Depois de três anos de déficit, o mercado de cacau deve voltar a um pequeno superávit este ano, um reflexo do alto patamar de preços da commodity.
Na sua primeira estimativa para a safra mundial de cacau 2024/25, divulgada no final de fevereiro, a ICCO (International Cocoa Organization) previu um crescimento de 7,8% na oferta global, para 4,84 milhões de toneladas — resultado de mais investimentos nas fazendas. Pela mesma motivação (preços altos), a demanda global por cacau deve cair 4,8% em 2024/25, para 4,65 milhões de toneladas.
Os preços do chocolate, no entanto, devem continuar subindo. Executivos da Mondelez e da Hershey declararam no mês passado que novos (e significativos) reajustes nos preços do produto estão a caminho para compensar a forte alta do cacau, segundo reportagem da agência Bloomberg.
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Nos dias 19 e 20 de março, representantes da cadeia global do cacau estarão reunidos em São Paulo durante o Partnership Meeting 2025, um dos principais eventos do setor realizado pela Fundação Mundial do Cacau (World Cocoa Foundation). No dia 21, em um evento paralelo também promovido pela CocoaAction Brasil, serão discutidas apenas as iniciativas e oportunidades relacionadas à recuperação do mercado brasileiro de cacau.