Uma das questões fundamentais para se fazer projeções de longo prazo sobre a demanda global de soja, milho, açúcar e outros produtos agrícolas é a seguinte: quem vai assumir de agora em diante o papel da China, cujo crescimento econômico acelerado foi o grande motor do consumo global de alimentos em anos recentes?
O caminho natural para se chegar à resposta passa por traçar paralelos com outros países em busca de quais deles podem repetir a trajetória chinesa. As análises tradicionalmente incluem variáveis econômicas e demográficas, como as projeções de PIB per capita, a população e sua taxa de expansão, e o tamanho da classe média (que geralmente consome
mais proteína).
Avaliam-se também os hábitos alimentares, considerando que algumas culturas, como a indiana, restringem mais o consumo de carne do que outras – o que por sua vez limita os rebanhos e diminui a demanda de grãos para a produção de rações, por exemplo.
Essa força capaz de substituir a China existe – e consiste em um grupo de países com população similar à chinesa, mas que certamente não terá o mesmo vigor e velocidade no crescimento da demanda. Não teremos, portanto, exatamente o mesmo efeito que a China teve sobre o consumo global de alimentos.
Tem um ponto importante nessa história: o longo prazo não é mais como era antigamente. Lógico. O tempo todo há novos fatores ganhando força enquanto outros submergem. Um assunto emergente diz respeito às profundas transformações no comportamento alimentar das pessoas devido ao uso cada vez mais disseminado de medicamentos como o Ozempic.
Esse tipo de droga é usado para suprimir o apetite dos indivíduos que querem perder peso. Seu efeito colateral pode ser a supressão da demanda global de comida.
A força que impulsiona a enorme popularidade desses medicamentos é a crescente parcela da população acima do peso. Segundo a FAO, 4 em cada 10 americanos acima de 18 anos podem ser considerados obesos.
Engana-se quem pensa que essa realidade não tem nada a ver com o Brasil. Os dados mostram que atualmente 27% da população acima de 18 anos está acima do peso. Essa parcela mais do que dobrou em 20 anos, numa taxa de crescimento relativamente maior do que a dos Estados Unidos!
Trata-se de um paradoxo. Os ganhos econômicos levam as pessoas a se alimentar melhor do ponto de vista das calorias necessárias diariamente, mas também levam parte da população a níveis de sobrepeso considerados prejudiciais para a saúde.
É aqui que outras perguntas vêm à tona: qual será o impacto da evolução das taxas de obesidade – e das ferramentas que a indústria farmacêutica oferece para combatê-la — sobre o consumo de alimentos? O uso do Ozempic vai mudar os hábitos alimentares?Haverá redução significativa no consumo de açúcar e comida ultraprocessada?
Nos países desenvolvidos, restaurantes começam a reduzir a quantidade de comida oferecida por refeição. Existem casos de empresas de alimentos diminuindo as porções que levam ao varejo e investindo em linhas de produtos mais ricos em proteína e outros nutrientes, de forma a compensar a queda na quantidade de comida que os usuários de Ozempic ingerem por dia.
O quanto isso será significativo no longo prazo dependerá da longevidade do Ozempic e semelhantes. Pode ser que essas drogas tenham uma trajetória semelhante às das sucessivas dietas e tratamentos com promessas de emagrecimento que, de tempos em tempos, surgem, fazem sucesso e depois desaparecem quase como se nunca tivessem existido. Mas pode ser que se consolidem em mudanças de comportamento duradouras.
O nosso trabalho é analisar o que está acontecendo hoje e tentar antecipar as possibilidades sobre as consequências para daqui 5, 10, 20 ou 30 anos – e nesse processo encontrar respostas para as dúvidas que surgirem no meio do caminho.