Anuga

Relatos de um estreante na maior feira de alimentos do mundo

No entra e sai de importadores, traders e concorrentes, brasileiros recalibram as estratégias. Dos preços de exportação à busca por inovações, as decisões passam por Anuga

De Düsseldorf e Colônia (Alemanha) — Na estação central de Düsseldorf, o entra e sai de trens chega a assustar. Os mais perdidos, como este repórter, demoram a entender para onde ir. Não é como uma estação paulistana. Do mesmo lugar, saem vagões para destinos completamente diferentes.

Mas a sorte (e o Google Maps) ajudam. Na multidão, um cordão colorido se destaca, sustentando o crachá dos passageiros que tomam o trem com destino a Colônia, a uma hora dali. É junto com eles que vou.

A cada dois anos, Colônia sedia a maior feira de alimentos do mundo, a Anuga. São dez pavilhões imensos, reunindo 7,9 mil expositores e quase 170 mil pessoas. Os hotéis da cidade, como não poderia deixar de ser, estão esgotados —por isso durmo na vizinha Düsseldorf.

Para quem exporta alimentos, estar aqui é um acontecimento. Os principais empresários e executivos da indústria brasileira de carnes vieram em peso. De Marcos Molina (BRF/Marfrig) a Wesley Batista (JBS), passando por Fernando Galletti de Queiroz (Minerva), Miguel Gularte (BRF) e Fábio Sandri (Pilgrim’s Pride). Também prestigiam a feira Wesley Batista Filho (JBS USA), Eduardo Miron (Frigol), João Campos (Seara) e Rui Mendonça (Marfrig).

Nos dez pavilhões, há comida para todo o gosto e presuntos dos mais variados tipos e origens. Há também um pavilhão exclusivamente para alimentos orgânicos. Mas na hora do almoço, todos sabem: o pavilhão da carne bovina vai lotar, de olho no churrasco oferecido por argentinos e brasileiros. No espaço tupiniquim, a carne é servida pelo Barbacoa, uma tradição das feiras internacionais.

Pulso do mercado

“Aqui, está o pulso do mercado”, diz um dos frequentadores mais assíduos da feira, recusando-se a abrir o número de edições que já participou para não entregar a idade. É no entra e sai de importadores, traders e concorrentes que os brasileiros recalibram as estratégias. Especialistas em P&D rodam a feira, em busca de novidades para trazer ao Brasil.

Além do gigantismo (o Anhembi é um espaço acanhadíssimo perto do que vemos aqui), Anuga se diferencia pelo foco nos negócios, o que é impensável na Salon International de l’Alimentation (Sial), a tradicional feira que ocorre em Paris nos anos em que não há Anuga. Com o charme da capital francesa, é difícil não fazer turismo e muito executivo sai antes da feira acabar.

As negociações comerciais dão o tom, mas a sustentabilidade também é um tema frequente, particularmente aqui na Europa. O movimento ocorre enquanto os europeus aumentam a pressão antidesmatamento, com varejistas britânicos engrossando o tom nas últimas semanas.  Não à toa, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) lançou uma campanha de sustentabilidade aqui.

Negócios da China

Nesta edição, os participantes também chegaram com uma expectativa adicional: a presença dos chineses. Na Anuga anterior, há dois anos, as restrições de Pequim para evitar a disseminação da Covid-19 impediram a vinda dos maiores importadores de alimentos do Brasil.

Entre os executivos brasileiros, ainda havia alguma dúvida sobre a presença dos chineses na feira. Por uma coincidência, o país asiático emendou oito dias de feriado — Festival da Lua e o Dia Nacional, entre 29 de setembro a 6 de outubro — e alguns apostavam que os asiáticos faltariam. Mas eles vieram.

Nas conversas com os chineses, a ideia era evitar fechar contratos na feira. O mais importante era dar uma sinalização de preços e tentar uma recuperação depois de um primeiro semestre difícil devido ao embargo temporário da China à carne brasileira.

Se já definiram a estratégia para as negociações com os chineses, os brasileiros ainda não conseguiram dimensionar o impacto da guerra entre Israel e Palestina sobre a demanda. Uma corrida para formar estoques, especialmente se o conflito não cessar rapidamente, é citada como um desfecho possível por dois executivos.

Quando o meio da tarde se aproxima, é hora de voltar para Düsseldorf. O repórter acertou a linha, mas desceu na estação errada e precisou retornar duas estações. Amanhã, é dia de feira outra vez.

* O jornalista viajou a convite da Marfrig