Análise

Ao sair da Vale, Cosan reduz pressão que pairava sobre a Raízen

Venda de ações da Vale rende R$ 9 bi à Cosan, que reduzirá dívida em 40% e pode diminuir a pressão por um turnaround rápido na Raízen

Raízen

A venda da participação da Cosan na Vale, que rendeu R$ 9 bilhões para o conglomerado de Rubens Ometto, pode trazer um respiro à Raízen, gigante de açúcar e etanol controlada pelo conglomerado brasileiro e pela Shell.

Ao reduzir a dívida líquida em 40% usando os recursos da venda de ações da mineradora, a Cosan deve diminuir a pressão por retornos rápidos na Raízen, criando um ambiente mais favorável para que Nelson Gomes, executivo egresso da Cosan que assumiu a Raízen em novembro, reorganize a companhia.

Embora a Raízen venha numa sequência de resultados frustrantes, com geração de caixa insuficiente para avançar nos seus planos multibilionários de investimento, a necessidade de ajuste de capital da Cosan pedia uma medida rápida — especialmente em num cenário de alta na taxa de juros.

Fontes que conhecem a Raízen não escondiam a preocupação com as necessidades financeiras da Cosan, especialmente após o frustrado IPO da Moove na bolsa de Nova York. Alguns entendiam que a situação do conglomerado, que precisava reduzir a alavancagem rapidamente, poderia respingar na Raízen.

“Quando a Rumo adquiriu a ALL, a Cosan se endividou e por algum tempo reduziu os investimentos nos canaviais da Raízen para gerar caixa mais rápido”,  lembrou uma fonte. Agora, essas preocupações podem se dissipar.

Para desalavancar, a Cosan adotou a saída mais óbvia e pragmática, vendendo as ações da Vale. A tese de investimentos da Cosan na mineradora acabou não se confirmando. Ometto tinha grandes ambições na companhia e tentou até emplacar um de seus homens de confiança, Luiz Henrique Guimarães, como CEO. Mas esbarrou no governo Lula, que também trabalhou para aumentar a sua influência na mineradora.

Como próprio Rubens Ometto disse ao Brazil Journal, “não foi uma decisão fácil”. A operação significa um prejuízo financeiro considerável para a Cosan, que montou uma posição de 6,5% na Vale por meio de derivativos e compra de ações no mercado à vista, o equivalente a R$ 22 bilhões, em outubro de 2022.

Em relatório enviado a clientes em setembro, a equipe de analistas do BTG Pactual estimou uma “perda econômica” de aproximadamente R$ 3 bilhões com a participação na Vale, considerando o custo de oportunidade para manter a estrutura de financiamento. Vale lembrar que a posição desfeita hoje (e a considerada nos cálculos do BTG) é de aproximadamente 4%, pois a Cosan já havia desfeito os contratos de derivativos que elevavam a sua participação na mineradora.

O comportamento das ações da Vale desde 2 de outubro de 2022, data em que a Cosan anunciou a posição na mineradora, até ontem dá um cheiro do prejuízo: os papéis caíram cerca de 37%, de R$ 83 para R$ 52.

Embora o pagamento de dividendos ajude a justificar o investimento na mineradora, a perspectiva para os preços do minério de ferro e as saídas de caixa previstas relacionadas a Brumadinho (MG) e Mariana (MG) provavelmente dificultarão pagamentos futuros, ponderou o BTG no relatório.

Muito trabalho pela frente

Apesar do alívio na estrutura de capital da Cosan trazer um respiro à Raízen, as ações da maior produtora de açúcar do mundo renovaram a sua mínima histórica nesta quinta-feira, mostrando que os investidores exigirão resultados concretos da nova gestão.

Até agora, o plano de desinvestimentos já anunciado pela Raízen está muito aquém do necessário. As dezenas de plantas solares que serão vendidas possibilitarão uma redução de apenas 2% na dívida da Raízen, segundo análise de Thiago Duarte, analista do BTG, que espera uma “mudança de postura radical”.

Com Nelson Gomes como CEO, a Raízen está passando por um choque cultural, como mostrou reportagem de The AgriBiz em dezembro. Em poucos meses no cargo, Gomes promoveu diversas mudanças no alto escalão, incluindo desligamentos de importantes executivos.

A palavra de ordem é cortar gastos, o que inclui a desaceleração dos novos projetos de E2G. O etanol de segunda geração, a âncora da tese que justificou o IPO da Raízen, exige um alto investimento (cada usina custa, em média, R$ 1,2 bilhão), mas tem apresentado um resultado abaixo do esperado pela Cosan.

Entre as cartas na mesa para reduzir a dívida líquida, que soma impressionantes R$ 42 bilhões, está, além da venda de ativos, a possibilidade de trazer um sócio para os negócios de E2G — alternativa que não parece tão fácil diante de tantas visões diferentes sobre o futuro dos combustíveis renováveis, na visão de analistas.

Seja como for, os resultados das mudanças implementadas na Raízen devem demorar um ano e meio para aparecer, período em que o pragmatismo — palavra de ordem da Cosan amplificada nesta quinta-feira na Bolsa — deve atingir de vez a Raízen.