Estratégia

“Evera pode ser maior do que a Citrosuco”. A aposta da gigante global do suco de laranja

Há anos, a indústria global de suco de laranja convive com o fantasma de retração na demanda. Em média, o consumo global cai 3% ao ano

MATÃO (SÃO PAULO) Um executivo com mais de 20 anos de experiência na indústria cervejeira está comandando uma transformação na Citrosuco, uma das maiores produtoras de suco de laranja do mundo.

Marcelo Abud, CEO da empresa controlada pelas famílias Votorantim e Fischer, assumiu o cargo há quase dois anos para tirar do papel um negócio que amplia o potencial da companhia para muito além da commodity — e tem tudo a ver com o mercado de consumo.

Há anos, a indústria global de suco de laranja convive com o fantasma de retração na demanda. Preocupados com o teor de açúcar no suco de laranja, os consumidores começaram a reduzir o consumo. A busca por produtos mais saudáveis até tem um impacto positivo na demanda, mas não chega a compensar a retração provocada pelo temor da frutose. Em média, o consumo global de suco de laranja cai 3% ao ano.

É nesse contexto que a Citrosuco decidiu criar a Evera, o braço de ingredientes naturais que Abud tem a missão de acelerar. No primeiro ano de atuação, a empresa já representa de 8% da receita da gigante da laranja com sede em Matão (SP), cujo faturamento deve ultrapassar US$ 1,5 bilhão (o equivalente a R$ 7,8 bilhões) na safra 2023/24.

Por meio do fornecimento de ingredientes 100% naturais a base de laranja, a Citrosuco quer ajudar a indústria de bebidas a endereçar os novos hábitos do consumidor.

“Não é um problema da Coca-Cola ou da Tropicana. A Citrosuco é parte da solução e a Evera veio daí”, afirmou o executivo ao receber um grupo de jornalistas na Fazenda Entre Rios, localizada perto de Matão (SP), onde está a sede da empresa e sua principal fábrica de suco de laranja — que é também a maior do mundo.

Citrosuco quer ajudar indústrias de bebidas a atender às novas demandas dos consumidores, diz CEO Marcelo Abud | Crédito: Divulgação

“Essas empresas (de bebidas) conhecem o consumidor como ninguém e a Citrosuco conhece processos. Quando você junta essas duas coisas, que são muito poderosas, conseguimos endereçar um mercado que está aí”, acrescentou o executivo que fez carreira na AmBev e migrou para o agro ao assumir a presidência da Lavoro em 2021. Da varejista agrícola, Abud foi para a Citrosuco.

Mercado “multibilionário”

Uma tendência clara de consumo que a Evera pretende atender é a substituição do suco de laranja por bebidas funcionais à base da fruta — uma alternativa que atende à demanda de um alimento com menos açúcar, mais saudável e que continue sendo palatável ao consumidor, que tem uma clara preferência ao sabor da laranja no café da manhã em comparação com suco de outras frutas.

Com um crescimento anual de dois dígitos, próximo de 12% ao ano, o mercado global de ingredientes de alto valor agregado é estimado em aproximadamente US$ 40 bilhões. Só na América do Norte, a indústria de ingredientes naturais para a indústria de alimentos e bebidas gira em torno de US$ 10 bilhões, segundo o CEO.

“A Evera tem potencial para ser maior do que a Citrosuco. O tamanho que ela terá vai depender da nossa capacidade e apetite de investimento”, afirmou Abud.

A Citrosuco investiu cerca de US$ 10 milhões para iniciar as atividades da Evera, principalmente em pesquisa e desenvolvimento. No ano passado, comprou uma unidade de produção de ingredientes naturais a base de laranja em Tampa, na Flórida, o que possibilitou ampliar o portfólio de produtos —que inclui ingredientes naturais capazes de substituir artificiais na indústria de alimentos (uma demanda crescente), óleos e essências.

Com a Evera, a Citrosuco também consegue proporcionar um uso mais nobre para metade da laranja que processa. Do volume de vendas da empresa, 49% vêm do suco de laranja — o concentrado, conhecido como FCOJ, e o pasteurizado, ou NFC. Quase 47% é proveniente das vendas de ração animal, que tem origem na casca da fruta e, portanto, tem um alto teor de fibra. O restante é a venda de óleos, polpa e essências.

Expansão agrícola

A escassez na oferta global de laranja tem estimulado a expansão agrícola e industrial da Citrosuco. Nas últimas safras, a empresa aumentou a área própria de plantio em algumas dezenas de milhares de hectares, incluindo uma propriedade no sul de Minas Gerais no ano passado, segundo Tomás Balistiero, COO (Chief Operating Officer) da Citrosuco.

Hoje, as 25 fazendas da Citrosuco ocupam 60 mil hectares concentrados na região central de São Paulo. A empresa continua avaliando terras no Estado e fora dele para plantar mais laranjas. “Estamos em expansão”, disse Balistiero, acrescentando que há capacidade industrial ociosa devido à falta de matéria-prima.

Segundo Abud, a expansão do cinturão citrícola para fora de São Paulo deve continuar como tendência para os próximos anos como forma de driblar a incidência do greening, doença que afeta os pomares nas principais regiões produtoras —e que dizimou os pomares da Flórida, levando ao atual déficit global da commodity.

No final do ano passado, os contratos de suco de laranja na bolsa de Nova York atingiram suas máximas históricas devido à menor oferta. Para Abud, o preço subiu “muito mais do que seria necessário para reduzir a demanda”, e o mercado deve passar por uma correção. Mesmo assim, a commodity deve continuar acima dos valores praticados nos últimos dois anos, possibilitando novos investimentos.

Além do aumento de área, a Citrosuco também investiu pesado nos últimos anos em infraestrutura de irrigação, conectividade no campo, telemetria e inteligência de dados. “Agora, é o momento de começar a ver os resultados em produtividade”, disse Balistiero.

*A jornalista viajou a convite da Citrosuco