
Há 20 anos, o governo federal promovia o primeiro leilão de energia nova contemplando a biomassa da cana-de-açúcar como fonte na cogeração. Desde então, este e outros leilões regulados passaram a viabilizar a expansão da cogeração nas usinas ao garantir uma receita previsível — e de margens altas. Mas esse incentivo começa a sair de cena, levando o setor a pleitear novas políticas públicas para fomentar a cogeração.
Em 2025, quase 40% dos contratos de cogeração vencem — é o fim do prazo dos certames dos anos 2000. A partir de agora, as usinas precisarão vender essa energia no mercado livre, ou seja, a valores sujeitos às condições de oferta e demanda, o que gera menos previsibilidade.
Embora a mudança no ambiente de negociação não signifique, necessariamente, margens menores para esses geradores de imediato, a falta de garantia de que os preços da energia vendida cobrirão os custos da cogeração deve afetar o horizonte de investimentos.
Nos contratos firmados no ambiente regulado, as empresas recebem, em média, R$ 330 por MW/hora. O valor da tarifa é determinado durante os leilões, sendo corrigido pela inflação ao longo do período dos contratos.
No mercado livre, a média de “contratos de energia de fontes incentivadas de longo prazo” está em R$ 190 por MW/hora. Caso o preço da energia caia muito abaixo desse patamar, a cogeração pode perder atratividade para as usinas, que podem buscar outras fontes de receita para a biomassa, como a venda do bagaço ser usado como biomassa por outras indústrias ou até mesmo para ração animal.
Aos poucos, as usinas já vêm se adequando à nova realidade. “Há cinco anos, a gente vendia em torno de 60% da nossa energia para o mercado livre. Desde 2023, esse número já ultrapassa 70%”, diz Zilmar Souza, gerente de bioeletricidade da Unica. Diante dos vencimentos, esse percentual deve aumentar.
Em 2024, 40% de todo o consumo de energia elétrica do País veio do mercado livre, um aumento de cinco pontos percentuais em relação ao ano anterior. O avanço foi impulsionado pela abertura do mercado livre para pequenas e médias empresas — até então, empresas de menor porte não podiam participar dele. Em declaração recente, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, sinalizou que consumidores residenciais também devem acessar o mercado até 2030.
A relevância da biomassa
Mais do que um impacto de margem para as usinas, a ausência de leilões — ou a menor participação das térmicas a biomassa neles — é um ponto a ser considerado no suprimento de energia. Hoje, as térmicas movidas a biomassa representam 5,54% de toda a energia vendida no ambiente regulado, sendo mais relevante em algumas regiões.
“As térmicas movidas a biomassa têm um papel importante principalmente no Sudeste. O fato de as usinas estarem próximas às maiores regiões de consumo faz com que as perdas na rede sejam menores em comparação à geração que acontece em outras regiões do Brasil”, explica Newton Duarte, vice-presidente executivo da Cogen (Associação das Indústrias de Cogeração de Energia).
Diante da perspectiva de um número menor de leilões de energia ao longo dos próximos anos — haja vista o desenvolvimento do mercado livre de energia e a consequente sobrecontratação das distribuidoras —, o setor procura novas formas de fomentar a cogeração.
Na visão da Cogen, os contratos bilaterais, com algum prêmio — como a captura de carbono, uma vez que são oriundos da cana-de-açúcar — podem representar uma alternativa importante de crescimento.
“Acho muito improvável que o crescimento da cogeração se dê através de leilões. Ele se dará através de empresas que buscam a bioenergia, que tenha que ser renovável, que com isso eles possam criar modelos para criar certificados de carbono, por exemplo”, afirma Duarte.
Outros caminhos — mais imediatos — também já são colocados em prática. A venda do bagaço da cana, caso a geração de energia não esteja a preços competitivos, e estudos de projetos de eletrólise para a produção de amônia e de hidrogênio estão em estudo em pelo menos um player do setor.
É o fim dos leilões?
Na Unica, leilões ainda são vistos como prioridade, ainda que eles tenham um formato bem diferente dos certames de 20 anos atrás. No cenário atual, a perspectiva da Unica é de uma presença constante de leilões de reserva de capacidade.
Nesses certames, o governo contrata uma lista de geradores de energia que podem ser acionados sempre que forem demandados. Quem é selecionado ganha, além da remuneração pela energia fornecida, um fee mensal por estar à disposição das autoridades competentes.
Em junho, será realizado um leilão como esse. De acordo com os dados disponíveis no site do Ministério de Minas e Energia, devem ser realizados mais três leilões de energia nova ainda em 2025. Historicamente, o governo fazia de um a dois leilões por ano — mas almejar alguma previsibilidade no número de certames realizados no futuro ainda é um desafio.
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A cogeração é uma fonte importante no lucro das usinas. Um levantamento da consultoria FG/A a pedido de The AgriBiz mostra que a fatia da cogeração no lucro antes de juros e impostos (EBIT, na sigla em inglês) pode passar de 30%.
Entre as empresas listadas, a Jalles Machado detém a maior participação da cogeração no EBIT (32%), de acordo com os dados da FG/A.
Raízen Energia, São Martinho e Adecoagro obtêm 29%, 7,6% e 13,9% do lucro operacional com a energia elétrica, respectivamente. Os dados da Raízen consideram apenas a operação de açúcar, etanol e energia renovável.
No entanto, o impacto do vencimento dos leilões em 2025 no lucro operacional das usinas deve ser bastante limitado, segundo a FG/A.