Opinião

Novas metas reforçam a pegada social do biodiesel

Até 2026, as regiões norte, nordeste e o semiárido deverão alcançar participação de pelo menos 20% nas compras realizadas por produtores de biodiesel

Imagem ilustrativa para biodiesel | Crédito: Schutterstock

A cadeia produtiva do biodiesel no Brasil apresenta características únicas em relação aos demais biocombustíveis, destacando-se pela integração de agricultores familiares desde o início do programa em 2005. Apesar de resultar em custos adicionais para as usinas, essa integração promove a sustentabilidade social do setor.

Para orientar os atores nessa integração, o governo tem publicado praticamente um novo instrumento por ano, todos os anos —o que acaba gerando uma falta de previsibilidade, que, espera-se, dê lugar à estabilidade das regras necessárias para que usinas e agricultores possam desenvolver novas parcerias.

No último dia 27 de junho, o governo trouxe mudanças significativas às regras. Publicada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, a portaria nº 28/2024 impõe metas explícitas de inclusão da agricultura familiar para as regiões norte, nordeste e para o semiárido. Até 2026, essas regiões deverão alcançar participação de pelo menos 20% nas compras realizadas pelos produtores de biodiesel.

Embora tenham um alto potencial, essas regiões necessitam de investimentos estruturais para desenvolver novas cadeias produtivas. Além de recursos humanos e naturais, são imprescindíveis tecnologia, infraestruturas de armazenagem e distribuição, formação e capacitação de mão-de-obra. Diferente de compras de bens, esses investimentos se justificam quando aumentam a produção futura e fortalecem a relação com as usinas.

As mudanças conceituais trazidas pela nova portaria geram efeitos concretos: ampliação dos itens elegíveis no programa, incluindo infraestruturas de comercialização, treinamento de agricultores, insumos produtivos, máquinas agrícolas e certificação.

Entre os avanços, está a permissão para inclusão de empresas do mesmo grupo econômico e a abertura para compras de quaisquer produtos da agricultura familiar, além das oleaginosas. Ou seja, se uma empresa do mesmo grupo econômico do fabricante de biodiesel comprar arroz de agricultores familiares para uso em outra atividade, essa operação será contabilizada para atingir as metas de inclusão da agricultura familiar.

Criou-se também a figura do agente promotor, incluindo cerealistas e outras figuras jurídicas que comercializem produtos desses agricultores nas regiões prioritárias, reconhecendo a importância de fortalecer relações existentes. É um reconhecimento da importância de que o selo deve vir para fortalecer as relações existentes, e não trabalhar pela concorrência nociva.

Fator multiplicador

Também chama a atenção a introdução de um fator multiplicador de 30 para os investimentos. Os multiplicadores incentivam o aumento da participação regional e a adoção de novas oleaginosas na produção de biodiesel. Para compras oriundas dessas regiões, o fator é de 4; e, se forem produtos alternativos à soja e animais vivos, multiplica-se o valor do investimento por 2, permitindo a incidência cumulativa.

No caso de aportes em fomento, cada R$ 1 aplicado contabiliza R$ 30 para fins de comprovação dos critérios de aquisições da agricultura familiar, viabilizando mudanças estruturais significativas.

Há também a possibilidade de direcionar recursos para recuperação de áreas de reserva legal, proteção permanente, adaptação às mudanças climáticas e uso de bioinsumos, alinhando o programa ao RenovaBio e outras certificações ambientais.

No novo regramento, as metas são calculadas como um percentual das vendas de biodiesel e foram reduzidas de 51% para 32%, descontados os volumes de consumo próprio e exportação. Na prática, esses percentuais serão atingidos com o uso dos multiplicadores incidentes sobre cada arranjo produtivo. Em 2021, a média de compras efetivas e dotação em assistência técnica foi de 22%, resultando em mais de 8 bilhões de reais para a agricultura familiar.

Desafios

Ainda há desafios a serem enfrentados para modernização do instrumento. O sistema de auditorias das usinas é exclusivamente governamental, mas poderia envolver parcerias com o setor privado a fim de reduzir tempo e custos. Isso já ocorre no RenovaBio, que utiliza as firmas inspetoras, sem prejuízo da palavra final do MDA.

A restrição de compras de agentes promotores a 15% também é questionável, visto que garantir as compras e a assistência técnica e extensão rural beneficiaria igualmente o público-alvo do programa, ou seja, os agricultores familiares.

Pontos importantes ainda precisam ser resolvidos, como a exclusão de mecanismos para tratamento de quebras de safra, essencial para agricultores em regiões com maior risco climático, e a definição de novas metas e indicadores de eficiência inclusiva pelo MDA, previsto no art. 52. Há risco de redundância ou excesso de exigências, prejudicando as diretrizes do programa.

Enfim, há matérias importantes a serem discutidas, mas, acima de tudo, espera-se que a nova portaria traga a estabilidade de regras necessárias para que usinas e agricultores possam desenvolver novas parcerias. Nesse contexto, há preocupações com a possibilidade de revisão unilateral dos requisitos para manutenção do selo. Os investimentos em potencial e, acima de tudo, sua concretização, levam tempo e precisam dessa segurança normativa. Que se fortaleça o S de social e de segurança normativa.