O que acontece quando David Ricardo encontra Joseph Schumpeter? O diálogo entre os dois brilhantes economistas nunca ocorreu pela diferença de idade, mas se materializou no Brasil graças à capacidade transformadora da agricultura nacional, aliando o uso da terra à inovação incessante.
Depois de ajudar a estabilizar os preços dos grãos após o choque de oferta na pandemia, o Brasil tem tudo para ser o protagonista da revolução energética que está prestes a acontecer no mundo, atraindo dezenas de bilhões investimentos agroindustriais.
A explosão dos biocombustíveis, aliás, terá múltiplas repercussões, criando condições para o Brasil continuar expandindo a oferta de carnes e a invejável competitividade da indústria frigorífica, fortalecendo o seu papel para a segurança alimentar.
A análise foi apresentada nesta segunda-feira por Alexandre Mendonça de Barros, um dos economistas agrícolas mais respeitados do País, durante o Harvesting Innovation, evento sobre inovação no agro realizado pela SP Ventures em São Paulo.
A uma plateia de investidores e empreendedores, o sócio-fundador da consultoria MB Agro elencou inúmeras possibilidades de investimentos em um cenário global que favorece, cada vez mais, as vantagens comparativas do Brasil.
Não por acaso, Mendonça de Barros começou a apresentação com uma provocação: “Eu quis chamar isso de ‘como David Ricardo encontrou Schumpeter’”, disse numa referência a dois grandes economistas conhecidos por exaltar as vantagens comparativas das nações (no caso de David Ricardo) e à importância da inovação para obter ganhos de competitividade e lidar com os limites impostos pela natureza (Schumpeter).
Em bioenergia, o Brasil está na frente em ambos. Além de quantidade abundante de biomassa, água, sol e vento — algumas das fontes para a geração sustentável de energia —, o País também está na vanguarda em pesquisas na área de biologia, considerada por Mendonça de Barros como uma das duas grandes cadeias nascentes no Brasil.
“Estamos na iminência de algo muito grande em geração de energia”, disse o economista. As consequências desse movimento, acrescentou ele, podem ter dimensões revolucionárias nas diversas cadeias agropecuárias.
Nesse ritmo, a agricultura pode atingir um feito impensável há algumas décadas. Depois de praticamente igualar sua produtividade à da indústria nacional, não será impossível ultrapassá-la.
Energia + alimento
Mendonça de Barros destacou os projetos já anunciados, como os de etanol de segunda geração, SAF (combustível renovável de aviação), biometano e hidrogênio verde. “Estão começando a aparecer números muito grandes”, disse.
Para atender à demanda potencial de 9 bilhões de litros de SAF por ano até 2050, serão necessários R$ 30 bilhões em investimentos para ampliar a capacidade de esmagamento de soja no Brasil —a conta considera R$ 1 bilhão de Capex para erguer uma planta de processamento de 1 milhão de toneladas.
A área plantada, por sua vez, precisará praticamente dobrar, com a adição de 40 milhões de hectares de áreas de pastagens que poderão ser convertidas para a agricultura. Ao que tudo indica, o óleo de soja é a matéria-prima mais adequada para a produção de SAF e, quando o assunto é soja, o Brasil é o rei.
Como apenas 20% da soja vira óleo, o que fazer com os 80% do farelo que será produzido a mais? A consequência será uma redução significativa no custo de produção animal, diz Mendonça de Barros. Situação semelhante ocorre no setor de etanol de milho. O crescimento na oferta do DDG, subproduto da produção de etanol de milho, já tem contribuído para uma dieta melhor a um custo competitivo a pecuaristas em Mato Grosso, citou.
A mesma dinâmica se aplica ao mercado de biodiesel. Para atender à evolução do mandato de biodiesel no Brasil, o volume de esmagamento de soja também precisaria praticamente dobrar no caso de uma mistura de 25%. Com o óleo sendo utilizado para o biocombustível, a produção de farelo explodiria, barateando o custo para produtores de carnes.
“Se a gente entrar numa rota de biocombustível, eu vou criando um sistema quase imbatível de produção. Adicionando a demanda de alimentos à demanda de energia, vamos criar uma série de oportunidades”, afirma. “Não vai dar para fazer tudo isso. Vai ser meio misturado, mas esse troço vai vir”, acrescentou ao The AgriBiz após a palestra.
“A parte boa é que não tem disputa entre comida e biocombustível”, complementou Aurélio Pavinatto, CEO da SLC – a maior companhia de produção de grãos do Brasil.
Desafios
O novo ciclo de investimentos no agro — comparado por Mendonça de Barros ao iniciado na década de 1990, quando os chineses começaram a acelerar as importações de commodities —vai impor enormes desafios ao setor. Entre eles, estão os agronômicos.
“Temos que ter novas soluções porque a monocultura traz desafios gigantescos”, disse Mendonça de Barros, que também é agrônomo, destacando o relevante papel dos insumos biológicos.
Outra dificuldade que os produtores podem enfrentar são as limitações logísticas. Os investimentos em infraestrutura para transportes não crescem na mesma velocidade da produção, mas precisarão acelerar. Caso contrário, o Brasil enfrentará problemas logísticos sistematicamente, afirmou.
A necessidade de um alto capital de giro é outro desafio, principalmente num ambiente de alta volatilidade nos preços das commodities —uma tendência que deve continuar em meio a estoques globais baixos e frequentes choques produtividade causados pelas mudanças climáticas.
“Lidar com essa volatilidade requer uma competência gigantesca”, disse. Os brasileiros, que terão influência crescente no balanço global de oferta à medida que as suas vantagens comparativas encontram a inovação, precisarão desenvolver ferramentas para lidar com essa volatilidade e conseguir se beneficiar dos ciclos positivos.
Essa demanda, aliás, abre caminho para a segunda grande vertente de crescimento no agro destacada por Mendonça de Barros: o digital. “Existe uma possibilidade monstra em várias aplicações.”