Depois da crise intensa que se abateu sobre a Languiru, a cooperativa gaúcha deflagrou uma ofensiva para enxugar custos e reorganizar o passivo de uma forma que permita pagar não só os credores extraconcursais como Valora e Sicredi, mas também uma parte do que deve aos demais credores (bancos e fornecedores).
Em entrevista ao The AgriBiz, o superintendente administrativo e financeiro da Languiru, Gustavo Marques, detalhou o trabalho que vem conduzindo para reorganizar a cooperativa.
Com a ajuda de um estudo da consultoria Marketstrat, a cooperativa conseguiu desenhar um plano de pagamento factível para enfrentar as dívidas. Os credores perderão algo, mas não saíram de mãos abanando, um risco que parecia real há um ano.
Com esse estudo em mãos, a cooperativa divulgou um plano de renegociação no dia 12 de julho. A proposta prevê um deságio de 50% para credores com garantia real, desconto de 75% na dívida para credores sem garantia com débito de até R$ 1 milhão e de 70% superior a R$ 1 milhão. Os valores serão atualizados pela TR+6% ao ano.
Os pagamentos serão feitos de forma trimestral. Todos os credores que aderirem ao plano vão receber de forma proporcional ao seu crédito, dentro dos percentuais estipulados para cada garantia.
Por se tratar de um processo diferente de uma recuperação judicial — cooperativas não podem, por lei, pedir RJ e a alternativa é o processo de liquidação — a adesão de credores é voluntária ao plano.
De julho para cá, quando os moldes desse plano se tornaram públicos a partir da aprovação dos cooperados, já procuraram de forma proativa a cooperativa e aderiram a esse plano 100 credores, que representam R$ 39 milhões em dívidas. Hoje, a Languiru tem dívidas de R$ 1 bilhão.
O plano é aumentar as adesões daqui para frente. “Vamos procurar de forma personalizada cada credor mais relevante e, assim como fizemos com a liquidação, vamos disparar e-mails com explicações. Na época da liquidação, foram 68 mil e-mails cadastrados na nossa base. Vamos repetir isso, com explicações sobre o plano”, disse Marques.
O prazo de pagamento vai depender da situação operacional da companhia. No estudo feito pela Marketstrat, no cenário mais pessimista — caso a Languiru não tenha nenhum aumento de produção e não venda nenhum ativo relevante — o prazo final para a quitação seria de 31 anos. Contudo, há indícios de que esse período pode ser bem mais curto.
“O estudo considera uma captação mensal de leite de 6,1 milhões de litros, mas estamos com 7,6 milhões. Se chegarmos a uma média de captação de 7,7 milhões e a um abate de 43 mil aves por dia [hoje, esse número é de 25 mil], já falamos em 10 a 11 anos de prazo. E se chegarmos a um turno inteiro de aves, ou 75 mil, o prazo cai para sete anos”, explica Marques.
Enxugando a cooperativa
O plano proposto aos credores é apenas uma parte da reestruturação que a Languiru vem fazendo no último ano, enxugando drasticamente as operações.
A cooperativa fechou suas farmácias próprias (eram 4), se desfez dos dois postos de combustíveis que tinha, saiu do ramo de supermercados, fechando suas 10 unidades e fechou também 13 unidades do revendas, ficando com apenas uma loja de insumos agropecuários. A Languiru também se desfez do frigorífico de bovinos, que ficou 24 meses com a cooperativa e nunca deu resultado positivo.
A venda do abatedouro de suínos para a Seara também segue em negociações, uma transação de R$ 80 milhões. Anunciada no fim do ano passado, a venda ainda não foi concluída porque ainda é preciso dirimir a insegurança jurídica relacionada à sucessão de dívidas da cooperativa, disse o superintendente da Languiru.
De fato, a venda da unidade localizada em Poço das Antas (RS) representará o maior ingresso de caixa para a cooperativa. (A planta está localizada no Vale do Taquari, região muito castigada pelas enchentes, mas a cidade em si teve menos prejuízos).
Por enquanto, as vendas de ativos já realizadas foram pouco expressivas em dinheiro, uma vez que a cooperativa arrecadou recursos principalmente com a venda de equipamentos e poucos imóveis.
Embora parcos, os recursos foram usados para pagar passivos trabalhistas, diante da dramática redução de funcionários da cooperativa. Em novembro de 2022 eram 3.400, no pior momento chegaram a ser 700 e hoje são 900 — esse aumento de contratação se deu graças ao contrato de prestação de serviços de abate de aves para a JBS.
Para conseguir lidar com as verbas rescisórias, a cooperativa parcelou em até 12 vezes a rescisão e a multa dos colaboradores demitidos. Hoje, resta pagar apenas uma pequena parte desse passivo: da dívida total, de R$ 34 milhões, cerca de R$ 30 milhões já foram pagos.
A nova Languiru
Depois de concluir os planos de reestruturação, a Languiru definiu cinco segmentos prioritários com os quais vai seguir trabalhando. O primeiro é o abate de aves. Hoje, a cooperativa tem como meta terminar 2024 abatendo 40 mil aves por dia (para si), chegando ao fim de 2025 com 75 mil aves abatidas por dia.
“Nossa meta é ter um turno para a cooperativa e um turno para a JBS. Vamos ficar sem pressão de estoque e agregar mais valor na venda do produto”, diz Marques.
Outro segmento em que a cooperativa seguirá atuando é o leiteiro. Hoje, a cooperativa tem um contrato firmado com a Lactalis, de cinco anos, dos quais ainda faltam três anos e meio.
Originalmente, a Languiru captava leite e entregava para a Lactalis e, agora, também presta serviços de padronização do laticínio, agregando mais margem ao serviço. Atualmente, a Languiru produz 250 mil litros de leite para a marca própria e capta 7,5 milhões de litros ao todo (direcionando a maior parte à Lactalis).
“Temos previsão em contrato que, do volume que vendemos para eles, podemos envasar até 20% com nossa marca e comercializar. Voltamos em março e abril com nosso leite para o mercado, o que agrega um valor bem relevante para nós. A tendência é que tenhamos ainda de forma regular nosso leite no mercado especialmente no Vale do Taquari”, explica Marques.
A cooperativa também vai manter a fábrica de ração, com capacidade para produzir até 45 mil toneladas por mês, mas que hoje produz apenas 7 mil. A menor produção está ligada ao fechamento da fábrica de suínos e à redução das aves abatidas por mês, um reflexo do fluxo de caixa estreito da cooperativa.
Atualmente, metade da ração produzida é destinada à Seara, num acordo que deve ter aumento já a partir do próximo mês. “Quando concretizarmos a transação da planta de suínos, toda a ração para essa planta será feita por nós, o que resulta numa demanda de 13 mil a 14 mil toneladas por mês”, explica Marques.
Por fim, também vai manter uma revenda agropecuária e a área de secagem e armazenagem de grãos. Atualmente, a capacidade de secagem é de 800 toneladas por dia.
“Nesse primeiro ano, vamos trabalhar apenas secando grãos e eventualmente armazenando”. A cooperativa também quer voltar a originar grãos, o que depende da melhora da situação de crédito da Languiru.
“Readquirimos crédito com parceiros, mas ainda compramos boa parte do milho diário à vista. Recebo milho para produzir a ração das aves, mas esse giro ainda tá com prazo curto. Só o tempo vai trazer mais prazo”, confia.