Estratégia

Entre dobrar o etanol de milho e recomprar as próprias ações, a São Martinho prefere ir à bolsa

Companhia vai priorizar remuneração ao acionista na alocação de capital; analistas recomendam compra também à espera de preços mais altos de açúcar e etanol

Os executivos da São Martinho têm um bom dilema: o que fazer com a crescente geração de caixa num contexto de baixo endividamento? A alocação de capital tem sido um dos principais temas nas conversas entre a companhia, analistas e investidores. Nesse debate, a possibilidade de um novo projeto de etanol de milho ganhou espaço, mas está longe de ser prioridade. A ordem, pelo menos por enquanto, é continuar remunerando o acionista.

A direção da empresa entende que as condições de mercado não sustentam a decisão de gastar cerca de R$ 1 bilhão para dobrar a sua capacidade de produção de etanol de milho, segundo relatório dos analistas do BTG Pactual divulgado nesta semana, após reunião com executivos da São Martinho.

    Uma preocupação é o preço do DDG, que tem caído devido a um excesso de oferta no Centro-Oeste, onde novas usinas entraram em operação recentemente. No ano passado, as vendas do subproduto do etanol de milho, que é usado na ração animal, cobriram menos de 30% dos custos da São Martinho com milho —abaixo do patamar histórico da indústria de pelo menos 40%.

    Outro fator que poderia comprometer a rentabilidade de um novo projeto é o preço do milho. Segundo cálculos do BTG, se o custo do cereal subir para R$ 55 a R$ 60 por saca, o negócio deixaria de ser rentável. Já com o preço do milho a R$ 45 a saca e o DDG a R$ 1 mil a tonelada, o novo projeto da São Martinho teria um retorno de 35% mesmo com a paridade do etanol em 65%. Como referência, o preço médio do DDG em Mato Grosso estava em torno de R$ 1.200 por tonelada em maio, segundo dados da Scot consultoria.

    Sem segurança para tirar do papel um novo projeto de milho, e com a dívida líquida em apenas 1,1 vez o Ebitda, a São Martinho vai aumentar (ainda mais) a distribuição aos acionistas.

    Em 2023, a companhia distribuiu 27% de seu lucro líquido. Considerando também o agressivo programa de recompra de ações iniciado no ano passado, a distribuição chegou a 52% do lucro. Em março, a São Martinho colocou um novo programa de recompra na rua e já cumpriu 70% dele em apenas dois meses.

    Para os analistas do BTG Pactual, a empresa deve manter a iniciativa enquanto o preço das ações estiver próximo ao patamar atual. Nesta quarta-feira, o papel da São Martinho era negociado a R$ 33 na B3, acumulando uma queda de 4% em 12 meses. Desde o anúncio do programa de recompra, em 22 de março, as ações subiram 16%.

    “Com uma perspectiva de melhores resultados e margens, esperamos que a São Martinho mantenha a sólida reputação de remuneração aos acionistas”, disse o time comandado pelo analista Thiago Duarte. “Ao mesmo tempo, ela pode ainda avaliar opções no mercado de biocombustíveis (como SAF e a expansão da capacidade de etanol de milho), além de explorar uma futura flexibilização de mix, com aumento na capacidade de açúcar”.

    Na visão da companhia, o combustível sustentável de aviação não será relevante antes de 2030, mesmo considerando as estimativas otimistas para o mercado. Além disso, um projeto desse porte tem custos altos: construir uma planta desse tipo exige um investimento de R$ 1,5 bilhão.

    O efeito dos preços

    À medida que as previsões para a atual safra de cana pioram, melhoram as perspectivas para os preços do açúcar e do etanol e, consequentemente, para as margens da companhia em 2024. Os analistas do BTG esperam que um crescimento de 19% no Ebitda da São Martinho este ano, para R$ 3,7 bilhões, com uma margem de 49% (aumento de 4,7% na comparação anual).

    A moagem de cana, que deve ficar abaixo do inicialmente esperado devido à seca no Centro-Sul, e o mix de produção mais açucareiro de todo o setor devem reduzir a produção de etanol em um ano de consumo em alta. Enquanto a oferta do biocombustível é estimada em 30 bilhões de litros pelo BTG, a demanda pode atingir 34 bilhões de litros —a projeção considera uma média mensal de 2,8 bilhões registrada neste ano.

    Num exercício durante a divulgação de seus resultados na semana passada, a Jalles Machado apresentou uma projeção em que o preço do etanol na usina precisaria subir dos atuais R$ 2,50 por litro para até R$ 2,80 por litro até dezembro para alcançar uma paridade de 72% em relação à gasolina na bomba e, assim, adequar a demanda à oferta.

    Caso esse cenário se confirme, a São Martinho, que tem uma produção de etanol estimada em 1,2 bilhão de litros para este ano, poderia aumentar sua receita em R$ 120 milhões a cada aumento de R$ 0,10 por litro no preço do etanol. A receita adicional se traduz em um incremento de R$ 90 milhões no Ebitda, segundo o BTG. 

    No relatório divulgado nesta semana, o banco manteve a recomendação de compra e o preço-alvo de R$ 40 para o papel, um upside de 21% em relação à cotação desta terça-feira. Nesta quarta, o Bank of America elevou a sua recomendação para as ações da São Martinho de neutro para compra, com o preço-alvo de R$ 39.

    Além do preço do etanol mais alto, o BofA lembra que o negócio de etanol de milho, que gerou Ebitda negativo na safra 2023/24m deve começar a apresentar resultado positivo. O efeito benéfico do preço do açúcar, por sua vez, deve ficar mais evidente na safra 2025/26. Para 2024/25, a empresa já montou hedge para aproximadamente 60% da produção. 

    Queda de custos

    Além do preço das commodities, a São Martinho deve ter uma queda de 5% custos neste ano, depois de um período de aumentos sucessivos. Na indústria como um todo, houve um incremento de 70% nos custos de produção nos últimos quatro anos.

    A perspectiva de redução está apoiada em três fatores: maior produção de ATR, preços mais baixos de fertilizantes e a implementação de colheitadeiras de duas linhas, o que vai possibilitar uma economia com diesel.