Depois de meses de espera, Pequim bateu o martelo, anunciando o maior pacote de habilitações de frigoríficos da história.
Em uma reunião que ocorreu às 22h30 da nossa segunda-feira — 9h na capital chinesa —, a Administração Geral de Alfândegas da China (GACC) autorizou que 38 novas unidades possam exportar ao país asiático.
A lista inclui oito frigoríficos de frango, contemplando companhias listadas como BRF e Seara, mas a grande mudança mesmo vai ocorrer no mercado de carne bovina, em uma decisão que deve mexer com os sensíveis preços de exportação.
Ao todo, a China autorizou que 24 indústrias de carne bovina possam exportar. Em termos relativos, é um número bastante expressivo. Até então, 41 frigoríficos estavam habilitados a vender para o país asiático.
JBS na dianteira
De longe, a JBS é a maior vencedora do processo, com 10 unidades recém-autorizadas. A Marfrig conseguiu a habilitação de Bataguassu (MS) e a Minerva de dois frigoríficos — em Janaúba (MG) e Araguaína (TO).
Com isso, a dona da Friboi consegue reduzir o déficit relativo que possuía em relação à concorrência quando o assunto é habilitação. Com 33 abatedouros de bovinos no Brasil, a JBS até então só tinha oito unidades habilitadas pelo GACC (24% do total).
Relativamente, a Marfrig era a companhia mais bem posicionada, com 70% de seus dez frigoríficos já habilitados. Com a autorização mais recente, apenas os frigoríficos de Chupinguaia (RO) e Mineiros (GO) não estão autorizados a vender para os chineses. Essas duas plantas estarão na próxima lista a ser enviada ao Ministério da Agricultura.
Na Minerva, as duas habilitações desta terça-feira se somam aos três frigoríficos que já exportavam — Barretos (SP), Palmeiras de Goiás (GO) e Rolim de Moura (RO) —, ficando com 50% de suas dez plantas habilitadas.
Quando concluir a compra dos ativos da Marfrig, o que ainda depende do Cade, a Minerva vai agregar Bataguassu. Ou seja, três novas habilitações. A China é o maior cliente da Minerva e também o responsável por grandes oscilações nas ações da companhias — uma questão que já motivou críticas do CFO da empresa, Edison Ticle, aos analistas.
A demanda colossal
Na indústria, deter um frigorífico habilitado para a China sempre foi um sinal de distinção financeira tamanha era a discrepância de margens oferecidas nas exportações ao país do dragão.
Não à toa, os processos de habilitação costumavam gerar ciumeira e disputas entre os concorrentes, em brigas que não raro se tornavam públicas — a cizânia entre a Abrafrigo, então liderada por Péricles Salazar, e a Abiec não deixa mentir.
Os números explicam o comportamento. Além das margens gordas, o volume chinês é colossal. No ano passado, o Brasil exportou 1,4 milhão de toneladas de carne bovina para lá. O segundo maior cliente dos frigoríficos brasileiros — os Estados Unidos — levaram “apenas” 139 mil toneladas, menos de 10% das vendas aos chineses.
Para um trader de carne bovina, a história da exportação brasileira de carne bovina para a China só pode ser bem compreendida quando olhada a partir de um marco: o surto de peste suína africana que dizimou o plantel chinês, em 2018.
Naquele momento, a demanda chinesa explodiu, o que fez com que os preços da carne escalassem para níveis estratosféricos. Em dado momento, os chineses chegaram a pagar US$ 8 mil por tonelada para importar o dianteiro bovino brasileiro.
Reprecificação a caminho
À medida em que o plantel de suínos foi plenamente recomposto, os preços da carne se normalizaram, o que foi um choque para muita gente no Brasil.
Ao longo do ano passado, os preços do dianteiro saíram de US$ 5,8 mil por tonelada para US$ 4,6 mil, nível em que se encontrava antes do último Ano Novo Chinês, em 29 de janeiro —e longe do auge dos US$ 8 mil por tonelada. (O copo meio cheio: o volume veio para ficar, com os chineses comendo cada vez mais carne)
“O que estamos vendo é uma consolidação do mercado chinês. As exportações cresceram muito de 2019 para cá e devem se consolidar em pequenos movimentos em torno dos volumes atuais”, diz Lygia Pimentel, fundadora da AgriFatto consultoria.
Com a habilitação de mais de 24 frigoríficos, parece inevitável que os preços caiam ainda mais. Segundo uma fonte que negocia com os chineses, os importadores já vinham pressionando por uma redução de 5% a 6%, reduzindo os preços pagos pelo dianteiro em algo entre US$ 100 e US$ 150 por tonelada. O risco aqui é o de que uma pressão grande prejudique os pecuaristas.
No médio prazo, porém, as habilitações são positivas. “O mercado tem condições de crescer 15%. Isso significa colocar mais 150 mil toneladas de carne para a China. Já é mais do que vendemos para os Estados Unidos”, argumentou uma fonte de um dos maiores frigoríficos do país.
Além disso, o excesso de estoques de carne que a China enfrentou no ano passado (penalizando os frigoríficos) foi quase todo equalizado. Em dado momento, alguns clientes dos frigoríficos brasileiros chegaram a ter estoques de carne para 18 meses. Agora, o nível está próximo de seis meses, um patamar gerenciável.
Em preços, no entanto, uma coisa é certa. A nova realidade veio para ficar. “A mamãe China acabou, moçada”, brincou um executivo.
A ampla oferta de gado no Brasil, um reflexo do ciclo da pecuária, também dificulta uma alta nos preços. “O ritmo dos abates está muito forte”, disse César de Castro Alves, consultor do Itaú BBA. Segundo ele, os abates estão crescendo de 20% a 25% nos primeiros meses deste ano.
Choque de produtividade
Para a pecuária brasileira, a brutal demanda chinesa significou um choque de produtividade, melhorando indicadores de nutrição e genética.
Como o protocolo chinês exige animais com até 30 meses de idade (ou quatro dentes), os pecuaristas passaram a dar suplementos para os animais cada vez mais cedo. Os índices de prenhez da vacas também evoluíram.
Do lado negativo, está o bloqueio automático das exportações brasileiras quando há casos atípicos do mal da vaca louca, o que já ocorreu três vezes desde 2019 — no ano passado, o primeiro trimestre foi praticamente perdido para os exportadores.
O Ministério da Agricultura vem negociando com os chineses a retirada dessa suspensão automática, uma regra que só pune o Brasil e não existe para outros países, como Uruguai e Argentina.
Na indústria, há otimismo de que a regra da vaca louca seja ajustada em julho, durante a próxima reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban).