Nem o mais otimista dos pecuaristas poderia imaginar a peça que o mercado brasileiro de boi gordo pregou — para a alegria dos produtores rurais e desalento da indústria.
Em menos de dois meses, o preço da arroba já subiu mais de R$ 100 (ou quase 50%). E ninguém consegue dizer se o teto já chegou, num movimento que certamente vai marcar uma geração tamanha a magnitude e rapidez com que ocorreu.
“Está uma loucura. Não para de subir”, disse Maurício Nogueira, fundador da consultoria Athenagro e uma das maiores autoridades do País quando o assunto é pecuária.
No mercado, já há relatos de negócios fechados acima de R$ 360 por arroba, uma enormidade considerando os preços do início de setembro (R$ 237 por arroba) e mesmo em relação ao começo da semana passada, quando o indicador do Cepea já marcava R$ 334 por arroba.
A situação chama ainda mais atenção porque não houve uma clássica virada de ciclo da pecuária, quando um processo de retenção de vacas se inicia para estimular a produção de bezerros e, com isso, enxuga a disponibilidade de animais.
Pelo contrário. Os abates bateram o recorde histórico mesmo sem o ano terminar e seguem em níveis extremamente aquecidos, disse Lygia Pimentel, sócia-diretora da consultoria Agrifatto, outra referência nacional da análise pecuária.
“Jamais teria previsto R$ 100 reais de valorização. O melhor cenário era R$ 270 por arroba. Vivendo e aprendendo. Faz 20 anos que analiso e nunca vi um mercado tão guiado pela demanda como neste ano”, ressaltou.
A margem dos frigoríficos
Dos analistas de pecuária mais experientes aos mais desconfiados, ninguém conseguiu antecipar essa escalada do boi gordo. Isso ajuda a explicar porque muitos frigoríficos foram pegos no contrapé.
Contando com uma ampla oferta de gado (a preços módicos), a indústria fez poucos contratos a termo com pecuaristas. Quando o mercado de gado virou, a partir de setembro, só restou comprar um animal mais caro.
A situação é tão drástica que os preços do boi gordo sequer deram um respiro durante a transferência dos onze frigoríficos que a Marfrig vendeu à Minerva, uma transação concluída em 28 de outubro.
Muitos analistas esperavam que a transferência pudesse derrubar os preços, considerando que a Minerva levaria alguns dias (ou semanas) para adaptar as novas unidades a seu modo de gestão, provocando mudanças no processo de compra de gado. “Mas nem isso atrapalhou o mercado”, ressaltou Nogueira.
Na indústria, muitos já notam uma deterioração da rentabilidade. “O impacto no quarto trimestre é material”, admitiu o CEO de um frigorífico de médio porte, citando uma margem Ebitda bem abaixo de 5%, potencialmente ficando mais perto do breakeven.
Frigoríficos de grande porte — incluindo gigantes como JBS, Minerva e Marfrig —, têm ferramentas para segurar a rentabilidade em níveis mais altos. Ainda assim, parece improvável evitar uma compressão de margens. Nesse cenário, o patamar próximo de dois dígitos reportado no terceiro trimestre já parece ser notícia velha.
Na semana passada, o CEO global da JBS, Gilberto Tomazoni, reconheceu que a rentabilidade da Friboi vai cair neste quarto trimestre para um patamar mais próximo dos níveis históricos — desde 2017, a margem Ebitda média é de 4,6%.
“Não existe mágica. Essa situação do boi gordo afeta diretamente na margem. Não tem como não afetar. Na exportação, dificilmente você consegue fazer com que o preço que você vendeu esteja casado com o preço do boi”, acrescentou um executivo da indústria.
No mercado doméstico, já está muito difícil repassar a forte alta dos preços do gado para a carne, apesar da demanda aquecida. No exterior, a China até vem pagando mais pelo produto brasileiro, mas há descasamento natural entre o preço de fechamento dos contratos e o período da produção.
Na indústria frigorífica, o alento é que o desempenho dos primeiros oito meses deste ano foi tão bom, com margens bem acima da média histórica, que a pressão deste fim de ano só arranha o resultado anual.
Para quem está mais exposto às exportações, casos de companhias como a Minerva Foods — que faz cerca de 70% do faturamento no exterior —, o dólar fortalecido é um trunfo. “O preço em dólar não está tão bom, mas quando você converte para reais, está muito positivo”, destacou Nogueira.
Boi a R$ 400 por arroba?
Por outro lado, as indústrias mais dependentes do mercado doméstico tendem a sofrer mais a partir de 2025. Pelo cálculos da Athenagro, a diferença entre a carne desossada e o boi gordo em São Paulo já está negativa em 4,61%, um dos piores níveis da série histórica da consultoria, iniciada em 2007. Na média, esse indicador é positivo em 3,71%.
Se a margem já está mais apertada neste momento, quando a oferta de gado ainda é relativamente alta, o que pode acontecer no momento em que o ciclo da pecuária efetivamente virar, reduzindo a oferta de animais para abate?
Para Lygia Pimentel, a pecuária vem caminhando para a virada de ciclo, com a maior escassez de gado se expressando de forma mais pronunciada entre o segundo semestre do próximo ano e 2026, o que deve impulsionar os preços.
Na avaliação dela, é praticamente certo que os preços do gado vão romper o patamar de R$ 400 por arroba. “Já está pagando mais de R$ 360 agora, tendo oferta de boi”, argumentou. Nogueira, da Athenagro, vai além. Para ele, a demanda explosiva por carne antecipou a virada do ciclo da pecuária.
Com a oferta mais restrita a partir do ano que vem, não será surpresa se houver alguma racionalização da capacidade instalada dos frigoríficos no Brasil, avaliou Michel Torteli, sócio-fundador da Finpec — companhia especializada em captar recursos com investidores para aplicar na engorda de gado em confinamento.
“A indústria vai ter que aumentar a ociosidade, dar férias coletivas, fechar um pouco de planta”, resumiu Torteli.
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