Depois de um balanço poluído pelos impactos contábeis da hiperinflação na Argentina e marcado pelos reflexos da maior competição na China, as ações da Minerva Foods desabam nesta terça-feira, na maior queda do Ibovespa.
Às 12h10, os papéis da companhia da família Vilela de Queiroz recuavam quase 10%. Em doze meses, as ações caem 42%.
Os investidores reagem ao balanço divulgado ontem à noite, é claro, mas também à falta de segurança sobre o tempo para a aprovação da bilionária aquisição dos frigoríficos da Marfrig —a transação precisa da aprovação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Anunciado em 28 de agosto, o M&A de R$ 7,5 bilhões implodiu o valor da companhia desde então, em meio às preocupações com a estrutura de capital e a complexa integração dos ativos.
Pelo nível de concentração que a Minerva terá no mercado brasileiro de carne bovina após a aquisição, o órgão antitruste já havia decidido que o caso tramitaria pelo rito normal (e não o sumário), estendendo o processo de aprovação por muitos meses.
Em teleconferência com analistas na manhã desta terça-feira, o diretor financeiro da Minerva, Edison Ticle, disse acreditar que a aprovação pode sair no segundo trimestre.
Tecnicamente, o aval pode levar até mais tempo, se arrastando para o fim de outubro (se o Cade pedir uma extensão de prazo de 90 dias). Apesar da demora até aqui, essa não é a hipótese mais provável.
Para um advogado, um erro de estratégia atrasou a aprovação do negócio em três meses. A Minerva já deveria ter ingressado no Cade pelo rito simples, e não o sumário. Mas foi otimista demais.
O custo do Cade
De qualquer forma, a demora na aprovação do órgão antitruste é negativa para a Minerva por alguns fatores.
A companhia já adiantou R$ 1,5 bilhão à Marfrig na assinatura do acordo, o que resultou em um desembolso de caixa e no aumento das dívidas sem ter uma contrapartida em receita e Ebitda.
A passagem do cronometro também torna o M&A mais caro. Desde 29 de fevereiro, seis meses após a assinatura do contrato, os R$ 6 bilhões que restam são corrigidos pelo CDI.
Em um relatório distribuído a clientes nesta terça-feira, os analistas Thiago Duarte e Henrique Brustolin, do BTG Pactual, citaram os juros embutidos na aquisição como um fator relevante.
“O deal precisa ser aprovado rapidamente antes que a Minerva comece a pagar juros”, escreveram. Na prática, os juros já estão correndo, o que pode alterar os cálculos de atratividade do M&A, que já foi considerado salgado por muitos investidores.
Há também uma questão operacional. Quando mais rápido assumir os frigoríficos da Marfrig, maiores as chances de integrar os ativos enquanto o ciclo da pecuária no Brasil ainda é positivo, com ampla oferta de gado. A tendência é que esse ciclo se inverta ao longo de 2025, com margens mais apertadas para a indústria.
Endividamento
Para um analista do buy side que acompanha a Minerva, os resultados do quarto trimestre já vieram abaixo do que se esperava e a estrutura de capital vai piorar quando se considera que o saldo de R$ 6 bilhões está sendo corrigido pelo CDI.
Se a aprovação do Cade só ocorrer em outubro, os juros adicionariam mais de R$ 500 milhões à aquisição, o que pode levar a alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda) para próximo de 5 vezes.
Em dezembro, a companhia reportou um índice de alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda) de 2,8 vezes, estável em relação ao trimestre imediatamente anterior.
Essa conta, no entanto, não inclui o adiantamento de R$ 1,5 bilhão que a Minerva já fez à Marfrig. Quando isso é feito, a alavancagem de 31 de dezembro de 2023 sobe para 3,2 vezes, pelos cálculos de Leonardo Alencar, analista da XP Investimentos.
Ao todo, a dívida bruta da Minerva fechou o ano passado em R$ 21,5 bilhões, 24% acima do total reconhecido no fim de 2022. O caixa da companhia também aumentou, passando de R$ 7 bilhões em setembro para R$ 12,7 bilhões, o que é explicado pelos financiamentos feitos para garantir o dinheiro da aquisição.
A questão chinesa
Além das questões financeiras, a Minerva também lida com desafios operacionais comuns a toda a indústria frigorífica. O maior deles é a China, onde os preços caíram, a competição aumentou e as margens ficaram mais acanhadas.
Não à toa, a companhia tentou arbitrar os destinos das exportações, buscando mercados mais rentáveis. No quarto trimestre, a China foi responsável por 15% da receita bruta da Minerva. Um ano atrás, essa participação era de 25%.
A China também dará um gasto adicional para a Minerva. A título de bônus, a companhia terá de pagar mais cerca de R$ 20 milhões à Marfrig pela recente habilitação do frigorífico de Bataguassu (MS) para exportar ao país asiático. A unidade integra o pacote de ativos comprados da rival.
Resgate da confiança
Para recuperar a confiança dos investidores, a Minerva vai precisar demonstrar a capacidade de integração rápida dos ativos, extraindo as sinergias. Se conseguir, talvez volte aos áureos tempos, quando animava os acionistas com o fluxo constante de dividendos.
Na B3, a Minerva está avaliada em R$ 3,9 bilhões.