Pai contra filho

Depois da guerra familiar, uma estagnada Smithfield quer voltar à bolsa

Controlada pelos chineses do WH Group, gigante americana de carne suína busca um valuation de US$ 5,38 bilhões

Carne de porco

Doze anos depois, a maior indústria de carne suína do mundo quer voltar à bolsa. A Smithfield Foods, gigante americana controlada pelos chineses do WH Group, protocolou um pedido de IPO nos Estados Unidos nesta segunda-feira, num movimento que expôs a longa estagnação da companhia e uma crise familiar de grande proporções.

Adquirida por US$ 4,7 bilhões em 2013, a Smithfield Foods marcou uma era nas relações corporativas entre Estados Unidos e China, algo impensável em tempos de guerra comercial. À época, foi uma transação recorde entre um grupo chinês e um americano, levando ao fechamento de capital da Smithfield.

Quando fez a compra, o WH Group imaginava importar também um conhecimento que a China ainda não possuía, especialmente em sanidade e produtividade.

Maior potência global em carne suína, com 49% da produção mundial, a China sofria com a natureza precária de suas granjas, fragilidade que ficou ainda mais clara durante a epidemia de peste suína africana, em 2018.

De lá para cá, os chineses investiram tremendamente em granjas ultramodernas e seguras, resolvendo a crise sanitária. Mas não parece que a WH Group tenha sido essencial para essa transformação, que contou com o apoio estatal.

Para a Smithfield, no entanto, o período como companhia de capital fechado significou um negócio de baixo crescimento, ficando atrás dos principais concorrentes nos Estados Unidos.

Desde 2014, o faturamento da Smithfield cresceu apenas 9%, saindo de US$ 13,4 bilhões para US$ 14,6 bilhões no ano passado. Em compensação, a JBS deu um salto de 50%, saindo de cerca de US$ 50 bilhões para US$ 76 bilhões. A Tyson Foods cresceu mais de 40%, com as vendas saindo de US$ 37,6 bilhões para US$ 53,3 bilhões.

Quando se considera apenas o negócio de carne suína nos Estados Unidos, o negócio da JBS mais que dobrou de faturamento (de US$ 3,8 bilhões para US$ 8,2 bilhões), um indicativo das oportunidades perdidas pela Smithfield.

Se serve de consolo, a Tyson também teve dificuldade no negócio de carne suína. Desde 2014, viu o negócio encolher, perdendo mais de 6% do faturamento — atualmente, a companhia de Arkansas faz US$ 5,9 bilhões com carne suína. Mas isso não muda a história.

O valuation da Smithfield

No IPO, a estagnação está expressa no valuation. De acordo com uma reportagem da Bloomberg, a Smithfield busca uma avaliação mínima de US$ 5,38 bilhões. Se esse montante se confirmar, isso significaria uma valorização de apenas 12% desde 2014.

O retorno pífio também pode estar associado ao preço que o WH Group pagou na aquisição, dando razão a Wan Hongjian, filho do presidente do conselho de administração do grupo, Wan Long. O executivo se desentendeu com o pai e chegou a dizer que o grupo pagara caro demais pela Smithfield.

De qualquer forma, o IPO será uma forma de prover liquidez para o WH Group, um movimento que poderia ajudar o grupo a equilibrar os negócios na China, que nos últimos anos vem sofrendo com a forte queda dos preços da carne suína.

Na oferta, o WH Group planeja vender cerca de 20% das ações, segundo a Reuters. Ainda não está claro quanto (e se) a companhia fará uma oferta primária, levantando recursos para o caixa. Se a operação for exclusivamente secundária, os chineses poderiam angariar US$ 1 bilhão no valuation mínimo.

Os planos pós-IPO

Com a listagem, a Smithfield planeja crescer em alimentos processados, com estratégias que incluem a mudança para um mix de maior valor agregado e de produtos mais premium, ampliando as vendas de presunto. A companhia também quer aumentar a penetração de embutidos de margem maior.

Para emplacar a oferta, a companhia aposta que terá dias melhores, encerrando a estagnação. Para sustentar essa visão, a companhia cita as projeções da Euromonitor, que apontam um crescimento médio anual de 3,6% nos negócios de carnes processadas entre 2023 e 2028.

Atualmente, o negócio de alimentos processados já é o grande responsável pelo lucro da companhia. De janeiro a setembro, o negócio de packaged meat gerou um lucro de US$ 855 milhões, o equivalente a 109% do lucro operacional consolidado. Isso ocorre porque na criação de porcos, outra divisão da companhia, a Smithfield geralmente perde dinheiro.

No prospecto, a Smithfield promete aos investidores manter uma estrutura de capital saudável, com o índice de alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda) sempre abaixo de 2 vezes e uma liquidez mínima de US$ 1 bilhão, preservando o grau de investimento.

A oferta, que inaugura a temporada de IPOs nos Estados Unidos em 2025, é coordenada por Morgan Stanley, Bank of America e Goldman Sachs.