Comércio exterior

Filipinas, a nova China para o exportador de carne suína

A indústria brasileira sempre dependeu de poucos importadores, como Rússia e China. Agora, a diversificação está dando resultados

Costela carne suína

A liderança brasileira no xadrez global das carnes é um fato incontestável há muitos anos. Seja pela participação do País nas exportações ou pelo domínio das companhias de capital nacional — JBS, BRF, Marfrig e Minerva são os maiores exemplos, a hegemonia brasileira salta os olhos.

Uma fragilidade, no entanto, sempre atormentou os exportadores de carne suína do Brasil, a proteína mais dependente do comércio exterior e a menos diversificada em número de importadores.

Ao contrário do que ocorre com o frango brasileiro, que acessa os quatro cantos do globo com alguma facilidade, a carne suína do Brasil sempre dependeu de praticamente um único cliente para garantir um bom desempenho.

Há dez anos, a indústria brasileira de carne suína ainda dependia dos humores das autoridades de Moscou, num vai-e-vem de habilitações e bloqueios de frigoríficos que tirava o sono dos empresários. Num passado que agora parece distante, a Rússia comprava mais de 60% da carne suína exportada pelo Brasil.

Em 2014, talvez fosse impossível acreditar que a Rússia se tornaria um cliente irrelevante. Mas a decisão de Moscou de aumentar a autossuficiência alimentar provocou um choque na forma como os frigoríficos brasileiros exportavam carne suína, mostrando como a dependência era um risco alto demais.

Com o tempo, a Rússia deixaria a cena — atualmente, não chega a 1% das exportações de carne suína do Brasil —, mas a dependência da suinocultura nacional só trocou de lugar: Moscou foi substituída por Pequim.

A escala chinesa é tamanha que, para os brasileiros, ser dependente da China não era exatamente um problema. Pelo contrário. Após a epidemia de peste suína africana que destruiu grande parte do rebanho de suínos da China a partir de 2018, as exportações explodiram.

Enquanto a peste devastava as granjas de fundo de quintal da China, os frigoríficos brasileiros multiplicavam as vendas para o país asiático. De 2018 a 2021, período em que os chineses levaram para reconstruir o rebanho, as exportações brasileiras de carne suína ao gigante asiático mais do que triplicaram, saltando de 156 mil toneladas para 533 mil toneladas, de acordo com os dados compilados pelo Ministério da Agricultura.

No auge, os chineses também responderam por mais de 50% de tudo o que os frigoríficos de carne suína exportavam. A festa, no entanto, acabou. Com os investimentos que a China fez em granjas ultramodernas, melhorando as condições sanitárias drasticamente e abrindo o caminho para ganhos de produtividade, fornecedores como o Brasil se vieram em uma crise existencial. Como achar uma nova China?

A ascensão das Filipinas

A resposta estava no Sudeste Asiático e nos esforços da diplomacia comercial para, finalmente, diversificar os destinos possíveis para a carne suína brasileira, deixando de colocar os ovos (ou o pernil, o que talvez seja mais apropriado) na mesma cesta.

No mês passado, algo inédito ocorreu, um feito para a indústria brasileira de carne suína. Pela primeira vez em muitos anos, a China não foi o maior comprador dos frigoríficos brasileiros.

Ascenção das Filipinas como importador de carne suína

As Filipinas, um país de rápido crescimento populacional que já abriga mais de 115 milhões de pessoas (se aproximando do Japão), foram o principal destino da carne suína do Brasil em julho, de acordo com dados compilados pela ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal).

Em julho, os filipinos importaram 27 mil toneladas de carne suína, bem mais que o dobro na comparação anual, o equivalente a 25,8% do total. Não fosse o desempenho filipino, o Brasil não conseguiria ter celebrado o desempenho de julho, um recorde de exportações. A China, outrora imbatível na liderança, reduziu as compras pela metade (foram 19 mil toneladas importadas do Brasil no mês passado).

A demanda das Filipinas vem ganhando tração desde 2020 e ainda parecem longe de atingir pico, um reflexo das imensas dificuldades do país em debelar a peste suína africana. “É um dos maiores surtos. Eles já perderam algo como 40% do plantel”, conta Luis Rua, diretor de mercados da ABPA.

Desde 2017, o rebanho suíno filipino recuou de 2,2 milhões para 1,2 milhão de cabeças, conforme o Ministério da Agricultura e Pesca das Filipinas. A composição do plantel também ilustra a dificuldade filipina: cerca de 70% da produção se dá em granjas de fundo de quintal, com animais alimentados com restos de comida (lavagem, como se dizia na zona rural).

Adriano Pissaia, diretor de suinocultura da consultoria Agri Stats, acompanha os problemas das Filipinas há bastante tempo e não tem dúvidas do tamanho da oportunidade.

Ao contrário do que ocorreu com a peste suína na China, que foi resolvida em poucos anos graças aos investimentos em granjas gigantescas, os filipinos não terão a mesma sorte. Segundo ele, não há notícias de investimentos em granjas modernas no país e até mesmo estrutura geográfica, formada por várias ilhas, dificulta a construção de uma indústria mais moderna e menos exposta aos riscos representados pelas granjas de fundo de quintal.

Nesse cenário, o Brasil deve continuar ganhando espaço. “Não sei se as Filipinas vão passar a China no acumulado do ano, mas seguramente será maior no segundo semestre”, projetou Rua.

A atratividade filipina não é apenas em volume. Atualmente, o país do Sudeste asiático é o melhor mercado de exportação, com preços de 15% a 20% maiores do que a média registrada em outros mercados.

O declínio europeu

Mas não é só a peste suína que explica a ascensão das Filipinas como grande cliente. Os frigoríficos brasileiros também se beneficiam do declínio europeu na indústria de carne suína.

Nos últimos anos, a União Europeia perdeu competitividade na produção de carne suína, um problema que vão desde o custo com mão-de-obra até regulações rígidas impostas por Bruxelas.

Em cinco anos, a produção europeia caiu de 25 milhões de toneladas para cerca de 20 milhões de toneladas. Com isso, as exportações europeias saíram de 5,1 milhões de toneladas em 2020 para as 3,1 milhões de toneladas que são estimadas pelo USDA (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) para 2024.

A redução do papel europeu como fornecedor global de carne suína tornou o Brasil mais importante para suprir as necessidades de países como as Filipinas e outros destinos na Ásia, como o Japão, que antes comprava mais dos europeus.

Para Rua, da ABPA, o crescimento das Filipinas ilustra uma revolução nas exportações de carne suína do Brasil, um fruto da agenda de abertura de mercados. “A diversificação que fizemos nos últimos anos não tem paralelo”, ressaltou.

O salto das vendas aos filipinos, aliás, também se deve a uma recente vitória da diplomacia comercial brasileira. Em março, o Ministério da Agricultura anunciou um acordo com o governo das Filipinas, permitindo que os frigoríficos sejam habilitados para exportar ao país pelo sistema de “pré-listing”, ou seja, sem a necessidade de missões para avaliar os frigoríficos um por.

Um acordo de pré-listing semelhante também ajudou a ampliar as vendas para o Chile, contou Rua. O governo também conseguiu, no ano passado, ampliar o acesso ao mercado mexicano para a carne suína in natura. “É um mercado que importa 1,4 milhão de toneladas por ano”, ressaltou Rua.

Depois de tantos anos, a era da dependência sino-russa está perto do fim. É um marco e tanto.

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