Geopolítica

O que está por trás do acordo da Vibra, sócia da Tyson, com a saudita Tanmiah

Grupo avícola gaúcho costurou parceria com uma das maiores empresas de frango da Arábia Saudita para investir US$ 150 milhões, incluindo aquisições de frigoríficos no Brasil

BRF e Seara que se cuidem. Em uma articulação que envolveu a gigante americana Tyson Foods, a Arábia Saudita atraiu mais uma companhia brasileira para investir no ecossistema de carne de frango do país.

Em uma cerimônia realizada na segunda-feira com as bençãos do Ministro da Agricultura da Arábia Saudita, Abdulrahman AlFadley, a gaúcha Vibra assinou um acordo de investimentos de US$ 150 milhões com a Tanmiah Food, uma das maiores indústrias de carne de frango da Arábia Saudita.

A convergência entre as duas companhias foi facilitada pela relação de ambas com a Tyson, apurou The AgriBiz. No Brasil, a gigante americana é dona de 40% da Vibra, grupo controlado pelas famílias Wallauer e Muller.

Na Arábia Saudita, a Tyson é sócia da Tanmiah no negócio de processados (60%) e na divisão de carne de frango (15%), que é comandada pelo brasileiro Marcos Delorenzo (um ex-BRF e Seara).

Com o movimento, a Vibra se reaproxima do mercado saudita. Há quase quatro anos, a companhia brasileira chegou a ser proibida de exportar carne de frango para a Arábia Saudita, num esforço drástico do governo Mohammad bin Salman para estimular a produção local de frango.

A parceria com a Tanmiah, no entanto, vai muito além de uma reaproximação comercial, disse uma fonte. A ideia não é apenas ajudar os sauditas a atender as metas de autossuficiência no maior mercado do Oriente Médio, mas transformar o país árido em uma inusitada potência global do frango halal.

Da Arábia para o mundo

À medida em que os sauditas consigam a autossuficiência em carne de frango, precisarão exportar cortes menos demandados no mercado local — pés, sobrecoxa e coxinha da asa, por exemplo.

Neste ano, a expectativa é que a Arábia Saudita produza localmente pouco mais de 80% do frango que consumirá internamente. O objetivo é que o país se aproxime da autossuficiência até 2030.

Mas a ideia dos sauditas vai além da produção local. Globalmente, os árabes querem se posicionar como um fornecedor de carne de frango halal, o que inclui produzir frango em outros países competitivos.

É exatamente neste sentido que a parceria entre Tanmiah e Vibra foi assinada, especialmente quando a segunda fase do acordo for implementada.

Na primeira fase, a Vibra fará um aporte para se tornar sócia do negócio de processados da companhia saudita, ganhando exposição a um negócio que produz itens como frangos empanados e hambúrguer para redes de fast food como McDonald’s, Burger King e Wendy’s.

Com os recursos da Vibra, a Tanmiah erguerá uma nova fábrica de processados de frango na Arábia Saudita. Ainda não está claro quanto dos US$ 150 milhões anunciados hoje serão direcionados para a fábrica.

Na segunda fase da parceria, os investimentos chegarão ao Brasil. A ideia é que Tamiah e Vibra se associem para adquirir abatedouros de frango no mercado brasileiro. “A Arábia Saudita quer ter uma marca global de frango”, resumiu uma fonte ao The AgriBiz.

A disputa pelo frango saudita

Para um privilegiado observador do mercado saudita, a parceria entre Tamiah e Vibra foi facilitada pelo porte similar das duas companhias, alinhando o foco de crescimento. No ano passado, a Tanmiah Foods faturou cerca de US$ 685 milhões (quase R$ 4 bilhões).

Listada na bolsa de valores saudita, a Tanmiah pertence ao influente empresário saudita Amr Abdullah Al Dabbagh, que também é dono de uma companhia de lubrificantes local (Petromin) e de concessionárias da Nissan. De 2004 a 2012, Al Dabbagh comandou a SAGIA, braço de investimentos do governo Arábia Saudita que possui status de ministério.

Na Arábia Saudita, a Tanmiah é a terceira maior indústria de carne de frango em capacidade, alcançando 14% de share. Com estrutura para abater cerca de 550 mil aves por dia, a companhia saudita só não é maior que as conterrâneas Almarai (21%) e Al Watania (20%).

Ao que tudo indica, a competição na Arábia Saudita deve ficar mais acirrada. Em um processo de venda monitorado com lupa pelo governo saudita, a Al Watania atraiu o interesse de diversos players, incluindo a brasileira Seara.

Na Arábia Saudita, a mudança de controle da Al Watania é vista como crucial para a meta de autossuficiência. A expectativa é que um novo dono seja capaz de estabilizar a produção da companhia, que ainda é muito instável e sofre com taxas de mortalidade de aves mais altas que a média.

De quebra, o comprador desse ativo ganhará alinhamento estratégico com as metas de autossuficiência Arábia Saudita, um trunfo que a brasileira BRF já mostrou ser poderoso.

Líder no mercado local com a marca Sadia, a companhia controlada por Marcos Molina atraiu a Salic de sócia e mantém uma joint venture com o PIF, fundo soberano da Arábia Saudita. Por meio dessa JV, comprou recentemente uma fatia de 26% na avícola saudita Addoha.

Os investimentos em território saudita foram essenciais para a BRF conseguir reabilitar a megafábrica de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, para exportar para a Arábia Saudita. A fábrica ficou suspensa por três anos.

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Nesta semana, os principais empresários e executivos da indústria frigorífica brasileira estão no Oriente Médio. Entre os dias 17 e 21 de fevereiro, ocorre a Gulfood, maior feria de alimentos da região que é realizada anualmente em Dubai.