Uma das companhias mais resilientes à compressão de margens do produtor de grãos até aqui, a Boa Safra não escapou do comportamento mais atrasado do agricultor nas compras de insumos, um efeito que penalizou a carteira de pedidos da sementeira no segundo trimestre.
No balanço divulgado ontem à noite, a companhia controlada pelos irmãos Camila e Marino Colpo reconheceu o atraso nos pedidos, o que ajudou a derrubar as ações da companhia. Às 11h40, os papéis caíam 3,4% na B3.
Apesar do atraso nos pedidos, a Boa Safra adotou um tom construtivo para o restante do ano, confiante no crescimento da demanda.
“Qual era a grande preocupação no início do ano? Que a área plantada de soja diminuiria. Sempre achei isso muito pouco provável. Agora, é quase um consenso que a área vai crescer de 1% a 2%, confirmando nossa impressão”, disse Felipe Marques, diretor financeiro e de relações com investidores da Boa Safra, em entrevista ao The AgriBiz.
Se a área vai crescer, naturalmente as vendas de sementes precisam acompanhar. Esse é, aliás, um dos diferenciais da indústria de sementes para os demais insumos agrícolas. Em momentos de crise, o agricultor pode aplicar menos defensivos e fertilizantes.
Partindo do pressuposto de um mercado de sementes crescente no Brasil, o desafio da Boa Safra é ser a escolhida dos clientes — revendas, especialmente —, o que é fundamental para a companhia preservar o ritmo acelerado de crescimento que vem conseguindo desde o IPO.
Aumentar as vendas é também uma necessidade considerando os investimentos que a Boa Safra fez para ampliar capacidade — em beneficiamento de sementes, sobretudo com mais tecnologia embarcada, e também na distribuição. Recentemente, a empresa inaugurou dois novos centros de distribuição em Mato Grosso.
Por enquanto, a carteira de pedidos é tímida para as pretensões da Boa Safra. No fim de julho, os pedidos somavam quase R$ 1,2 bilhão, mesmo patamar registrado na safra anterior.
Os pedidos do segundo semestre
“Devido ao mercado desafiador, as decisões dos produtores estão sendo tomadas com mais atraso, o que deverá impactar o próximo ciclo de pedidos. O segundo semestre deve refletir os pedidos que foram represados devido às decisões dos produtores”, justificou a Boa Safra, no relatório que acompanha o balanço.
Marques confia que o ritmo de pedidos no segundo semestre vai ser bem mais acelerado do que a média. No ano passado, por exemplo, a carteira de pedidos da Boa Safra somava R$ 1,1 bilhão no fim do segundo trimestre, enquanto a receita da companhia fechou 2023 em R$ 1,6 bilhão.
“Tivemos mais de R$ 500 milhões em pedidos que foram feitos no terceiro e quatro trimestre. Então, a minha carteira do meio do ano ainda não representa minha receita. E ainda temos o agravante das compras mais tardias. Neste ano, esse efeito será ainda maior”, argumentou o diretor financeiro da Boa Safra.
Em relatório distribuído a clientes, os analistas Thiago Duarte e Guilherme Guttilla, do BTG Pactual, sinalizaram que o cenário traçado pela Boa Safra ainda é o mais provável.
“Não temos fortes razões para acreditar que o cenário negativo vai se materializar. Mantemos as estimativas anuais enquanto esperamos que a aceleração da carteira de pedidos em julho continue até setembro, quando começa o plantio”, escreveram.
Para a Boa Safra, as vendas de milho safrinha — em fase final de colheita — devem injetar liquidez no agricultor, estimulando as vendas para o plantio de soja.
“O produtor ainda vai receber o dinheiro da safrinha para pagar a revenda e confirmar o pedido de compra da semente de soja. Então, a revenda está esperando receber as contas para fazer o novo pedido”, acrescentou Marques.
Falta de sementes
Os pedidos atrasados, no entanto, não virão sem gerar stress para o agricultor. Como o El Niño castigou algumas regiões de Mato Grosso e Goiás na safra 2023/24, a produção de algumas variedades de sementes foi prejudicada, provocando gargalos.
Segundo Marino Colpo, as variedades de ciclo médio são as que mais enfrentam risco de escassez. “O produtor que deixou para comprar no último momento talvez não consiga a semente que ele gostaria”, alertou o CEO da Boa Safra.
No Cerrado, as sementes de ciclo médio são as mais importantes, representando cerca de 45% do mercado. “A semente de ciclo médio foi a mais atingida pela seca e pelo excesso de chuvas que veio depois”, explicou Marino.
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Listada na B3, a Boa Safra está avaliada em R$ 1,9 bilhão. No ano, as ações caem 12%.