Há cinco anos, João Fagundes fazia um périplo em busca de investidores para acelerar a revenda de insumos pecuários fundada pelo pai. Economista pela UnB, o empresário já vinha preparando a governança da companhia e tinha um plano estratégico definido, mas recebeu um não de um gestor de private equity.
“Eu queria crescer com equity, mas ele falou que ainda não tinha tamanho”, contou Fagundes. A tentativa não demoveu o empresário, que não só manteve contatos frequentes com o gestor como traçou um caminho diferente para crescer.
De Rondonópolis, Fagundes fez do Grupo Raça Agro (GRA) um pioneiro na emissão de dívidas no mercado de capitais. A última delas aconteceu em janeiro, num CRA de R$ 150 milhões estruturado pelo UBS-BB e encarteirado pelo Banco do Brasil e pelo Fiagro da Kijani — asset fundada por Bruno Santana, justamente o gestor que recomendou a Fagundes crescer antes de trazer sócios.
Desde que deflagrou a estratégia de crescimento sustentada pela emissão de CRAs, a companhia de Mato Grosso adquiriu a Suprema, de Alta Floresta (MT), e ampliou o número de revendas, saindo de apenas três lojas para 20 — alcançando um faturamento de R$ 400 milhões.
Se tamanho já foi um problema, o grupo mato-grossense agora tem porte suficiente para ser um ator relevante na consolidação do varejo de insumos pecuários, um jogo que vem atraindo investidores tarimbados.
Concorrência
Nos últimos anos, firmas de private equity montaram estruturas para consolidar o negócio de insumos pecuários. As maiores são a Axia Agro, do Pátria, e a Alvorada, comprada no ano passado pela Kinea (gestora de private equity do Itaú Unibanco). As duas faturam mais de R$ 1 bilhão.
“Há três teses de consolidação da venda de insumos para pecuaristas. Nós somos os maiores independentes”, disse Fagundes ao The Agribiz. A ambição do Grupo Raça Agro é chegar a 60 lojas, um crescimento que pode ser acelerado pela atração de um investidor — agora, sim, em equity.
“Conversamos muito com investidores financeiros, mas estou mais na linha de trazer um estratégico para fazer um cheque”, disse Fagundes, que mantém conversas com potenciais interessados. A ideia não é abrir mão do controle da companhia, mas trazer recursos para acelerar.
Sem abrir detalhes das conversas que vem mantendo, o empresário traçou um perfil dos potenciais parceiros. “Pode ser alguém que atue na cadeia do agro e que tenha interesse em expandir sua atuação, agregando insumos para pecuaristas”, afirmou.
Quem conhece o negócio de revendas para pecuaristas calcula que os investimentos nessa indústria saem a um múltiplo (EV/Ebitda) entre 5 a 10 vezes, um intervalo que depende muito da estratégia do negócio e do nível de governança. Para Fagundes, o negócio pode fazer margens de 10%, considerando lojas maduras.
A estratégia do GRA
Com a maior parte das lojas em Mato Grosso — a companhia também possui revendas em Mato Grosso do Sul, Goiás e Pará —, a GRA não é apenas um negócio de varejo. A estratégia da companhia está lastreada na verticalização, com indústrias de nutrição animal e sementes para pastagens.
A companhia possui fábrica de nutrição animal em Rondonópolis e uma marca, a Zootec, além de uma unidade de nutrição terceirizada em Colíder (MT). Em sementes de pastagens, atua com a Plantare, marca que até outro dia era produzida por um terceiro em Ribeirão Preto. Isso mudou recentemente, quando a companhia adquiriu a SGM Seeds — sua fornecedora —, verticalizando de vez a produção.
Atualmente, a produção verticalizada do Grupo Raça Agro representa cerca de 40% das vendas do grupo aos pecuaristas. Usualmente, o custeio de um pecuarista é dividido em nutrição (40%), pastagens (40%, incluindo sementes, defensivos e fertilizantes), saúde animal (15%) e outros itens (arame é um dos mais relevantes).
Segundo Fagundes, as revendas de insumos dedicadas a pecuaristas possuem uma vantagem em relação às revendas agrícolas que também poderiam fornecer insumos e fertilizantes para as pastagens.
“Mesmo quando o cliente tem integração entre lavoura e pecuária, ele prefere ir a uma revenda de insumos para pecuária porque na revenda agrícola não tem veterinário nem zootecnista. E o agrônomo que entende de grãos não necessariamente conhece de pastagens”, compara, sustentando a vantagem da especialização.
Com 450 funcionários, o Grupo Raça Agro conta com cerca de 40 pessoas na equipe comercial, entre representantes técnicos e vendedores espalhados no campo.
Pecuária em transformação
O pano de fundo para a consolidação do varejo de insumos para produção de gado está na transformação que a pecuária precisa passar para lidar com a necessidade de aumentar a produção mesmo cedendo espaço para a agricultura.
Pelas estimativas da Embrapa, a conversão de pastagens degradadas em pastagens extensivas pode reduzir as emissões de CO2 em 26%. Se na mudança ainda mais tecnologia for adotada, com rotação entre agricultura e pecuária, pode diminuir 37%.
Não à toa, uma das principais iniciativas do Ministério da Agricultura é atrair recursos internacionais para ajudar na conversão de pastagens degradadas (a próxima fronteira agrícola brasileira).
“A pecuária brasileira vai ficar mais técnica e sofisticada. Isso é uma oportunidade para a tese do João”, concorda Bruno Santana, da Kijani. O gestor de Londrina é um entusiasta do modelo de negócios e também investidor (o Fiagro de sua gestora alocou R$ 30 milhões na última emissão de CRA da companhia).
O desafio de curto prazo é lidar com o ciclo da pecuária, que passa por uma fase de baixa. Diante da ampla oferta de boi gordo, os preços do animal recuaram 32% em um ano, o que reduz o poder de compra dos pecuaristas (e a receita das revendas de insumos, num efeito cascata). No longo prazo, a intensificação tecnológica da pecuária é inescapável.
Em família
A trajetória do Grupo Raça Agro é também uma ilustração das agruras que um negócio familiar pode passar se não tiver uma gestão adequada.
Fundado pelo veterinário e senador Wellington Fagundes como Agroboi, a companhia perdeu vigor quando o atual senador deixou o dia a dia do negócio e ingressou na política. No início da década de 2010, o grupo viu o número de lojas cair de sete para apenas uma.
“A saída dele nos custou muito. Não tínhamos governança”, reconhece João Fagundes, que passou a investir no assunto depois disso. “Foi um processo de reestruturação de oito anos. Vendemos imóveis”, lembra o empresário.
No processo, a consultoria Exmerare ajudou o Grupo Raça Agro a se estruturar, o que foi fundamental para que o grupo pudesse crescer acessando o mercado de capitais.
Atualmente, João Fagundes é o controlador da companhia. O pai não tem mais participação societária na empresa.