Turnaround

Na Raízen, plantas de E2G ainda vão custar R$ 1,6 bilhão

Após revisar investimentos, a nova diretoria decidiu manter construção de duas plantas de etanol de segunda geração; desembolsos ocorrerão nas próximas duas safras

Raízen

Noventa dias depois de chegar à Raízen, Nelson Gomes confirmou, de forma clara e sucinta, as expectativas que o mercado já tinha desde a sua chegada. O novo CEO veio para simplificar o negócio, trazendo a joint venture entre Cosan e Shell de volta para o básico.

Nesse processo, que envolveu, de cara, um pente-fino na operação, a nova diretoria decidiu manter dois investimentos em plantas de etanol de segunda geração (E2G), que vão demandar R$ 1,6 bilhão ao longo das próximas duas safras (2025/26 e 2026/27).

“O E2G segue sendo uma oportunidade importante para a companhia. Neste momento, vamos digerir o portfólio que herdamos, sem a intenção de começar a construir novos ativos”, afirmou o CFO, Rafael Bergman, em teleconferência com analistas.

A decisão ocorreu após uma reavaliação criteriosa de todos os projetos em andamento. “Na nossa análise, não geraria valor interromper o processo de construção dessas duas plantas no meio do caminho”, disse o CFO. A Raízen também manteve, para a próxima safra, a modernização de uma refinaria na Argentina. 

A escolha pela continuidade desses investimentos exemplifica bem a “nova” Raízen. Sob a gestão Gomes, a companhia vai simplificar processos e a própria estrutura, focando em duas unidades de negócio: EAB (etanol, açúcar e biocombustíveis) e Mobilidade (distribuição de combustíveis no Brasil e na Argentina).

Na sexta-feira, aliás, a companhia anunciou a contratação de Geovane Dilkin Consul, ex-CEO da antiga joint venture BP Bunge, para comandar a área de EAB.

Os primeiros sinais desse portfólio mais simples apareceram ainda no fim do ano passado, quando a Raízen anunciou a venda de um pacotão de usinas, principalmente relacionadas à divisão Power, de geração de energia, englobando um montante de R$ 1 bilhão. 

A nova safra

Os efeitos das ações que buscam transformar a Raízen numa empresa mais simples e menor devem começar a ser sentidos a partir da safra 2025/26, que começa em abril. Ponto de partida dessa jornada, a safra anterior foi dura para a companhia, que teve a produtividade afetada pelos impactos da seca e dos incêndios.

“Com um Ebitda acumulado de R$ 9,1 bilhões (até o terceiro trimestre), o guidance anterior de, pelo menos R$ 14,5 bilhões, parece fora de alcance”, escreveram os analistas Thiago Duarte e Guilherme Guttila, do BTG Pactual. 

Os executivos veem uma safra mais benigna adiante, somados ao esforço de reestruturação feito pela empresa. Olhando para os ativos core, CEO e CFO afirmaram que não vão reduzir investimentos em manutenção na Raízen — e sinalizaram que, mesmo diante de um ano difícil, os aportes feitos ao longo dos últimos anos na renovação do canavial trouxeram resultados satisfatórios. 

“Tivemos eventos isolados na última safra que afetaram todo o Centro-Sul, mas a nossa visão para a próxima safra é mais construtiva. Estamos chegando ao quarto corte com uma produtividade ótima, sendo inclusive benchmarking. Não queremos repetir os erros do passado de reduzir capex recorrente e sofrer consequências. Há muito ainda por fazer, mas vamos manter o patamar de investimentos”, ressaltou Gomes.

Ainda na parte operacional, a Raízen quer uma volta às origens para a sua área de trading, usando-a para vender açúcar, etanol e biocombustíveis, além da originação de derivados de petróleo para a área de mobilidade. A trading deve se tornar mais enxuta, com menos operações de terceiros para revenda e foco nas suas atividades de produção e distribuição.

“Como enxergamos a atividade? Tem um potencial e histórico de agregar valor para maximizar valor de produtos que a Raízen produz. É importante, mas acho que tomamos decisões nos últimos anos para ampliar o escopo além da agregação de valor. A trading é relevante, mas não é todo ano que dá resultado satisfatório. Esse ano mesmo não tem sido muito bom. Mas pretendemos ter uma atividade mais compatível com o que gera mais valor”, disse Bergman.

Aumento de capital?

Um outro ponto ventilado na mídia, em meio à reestruturação da Raízen e à redução de seu endividamento é um aumento de capital. Questionado a respeito do assunto, Bergman não negou a possibilidade — ainda que tenha ressaltado um foco maior na reestruturação interna da companhia.

“O que podemos dizer é que estamos focados no nosso dever de casa. Tem muita coisa para fazer, então o momento é de organizar a casa para a gente realmente entregar essas eficiências, mudança de cultura… É o momento nosso antes de pensar em outras alternativas”, ressaltou o CFO. 

Para esse momento de maior racionalização de investimentos, os executivos também sinalizaram que a empresa não estará focada em distribuir dividendos para acionistas, e sim na preservação do caixa — um ponto para o qual contam com o apoio da Cosan.

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No balanço do terceiro trimestre, divulgado na noite de sexta-feira, a Raízen reportou um prejuízo de R$ 2,6 bilhões, ante um lucro de R$ 793 milhões no mesmo período do ano anterior. O Ebitda ajustado caiu 20%, para R$ 3 bilhões. A dívida líquida atingiu R$ 38,6 bilhões, com a alavancagem ao redor de 3x o Ebitda ajustado.