Depois da euforia

Na Vittia, o efeito rebote do boom dos biológicos

Wilson Romanini vê desaceleração no ritmo de crescimento e admite assédio de multinacionais em M&A

O ano de 2023 foi marcado por uma euforia no mercado de defensivos biológicos, com transações bilionárias, como a emblemática venda da Biotrop, e uma série de biofábricas sendo anunciadas país afora. Na Vittia, uma das pioneiras em bioinsumos no País, o boom do setor vem afetando os negócios, dos M&As à retenção de talentos.

Para Wilson Romanini, CEO da empresa, no longo prazo poucos permanecerão.

“Eu já vi esse filme na época na época dos fertilizantes especiais”, disse Romanini nesta segunda-feira a investidores. “Tem gente que vai saber jogar, vai jogar sério, e tem gente que vai tentar se aventurar. Vai sobrar quem sabe fazer, tem time, indústria e P&D”, acrescentou Romanini durante o Vittia Day, realizado na B3.

O executivo mencionou a venda da Biotrop para os belgas da Biobest, por R$ 2,8 bilhões, como um exemplo da euforia no setor — a transação saiu a mais de 11 vezes o Ebitda projetado para 2023.

“O próprio anúncio da venda da Biotrop, o múltiplo que foi falado… Todo mundo acha que vai ficar rico do dia para noite com isso e eu vou dar um recado para eles: trabalhe bastante que a coisa não é fácil”.

IPO da Vittia

Considerado como o setor mais quente no que diz respeito a M&As no agro, as empresas de biológicos viram seus múltiplos explodirem, deixando empresas já posicionadas no mercado, como a Vittia, mais distante de alguns alvos.

A empresa também sentiu os efeitos de um mercado de trabalho super aquecido nos últimos anos, com uma demanda por profissionais maior do que a oferta roubando talentos —a Vittia decidiu até mudar a sua sede de São Joaquim da Barra para Ribeirão Preto para atrair mais profissionais.

Abaixo da expectativa

A euforia, aliás, passa longe do discurso da Vittia. Executivos da empresa reafirmaram ontem que a receita de produtos biológicos vai fechar o ano abaixo das expectativas devido ao impacto de aumento de custos e da queda nos preços das commodities na demanda do produtor. Ainda assim, o CEO disse que a performance da Vittia continua superando a de concorrentes.

Romanini disse também esperar daqui para frente um crescimento do mercado abaixo da casa dos 50% a 60% vistos até então, uma sinalização que chamou a atenção de analistas e gestores considerando que a tese da Vittia é de crescimento. Atualmente, os biológicos respondem por 30% da receita da empresa e 50% do lucro bruto.

O empresário também admitiu que a margem do negócio de biológicos vem caindo, e que o aumento da competição, com o boom das biofábricas onfarm, acaba colocando uma pressão sobre os preços.

“Reduzir preço não é saudável. O que vende é assistência ao produtor e resultado, não é preço baixo. Temos que ter tecnologias que resolvam o problema do produtor, e o cliente precisa ter a percepção clara de que o nosso produto é o que resolve o problema dele”, afirmou.

Por isso, a empresa tem como foco o cliente final, independente da forma como o produto chegou à fazenda — se por meio de uma revenda, cooperativa ou venda direta. Além de sua própria equipe no campo, a Vittia tem investido em centros de distribuição em todas as regiões visando um atendimento mais ágil ao agricultor.

Vendas diretas

A estratégia de vendas continua sendo multicanal, com cerca de 50% do faturamento vindo de vendas diretas ao produtor, 35% por meio de distribuidores e 15% por cooperativas.

No curto prazo, a tendência é que a participação das cooperativas e de vendas diretas aumente, mas não porque a Vittia quer evitar o risco das revendas, mas devido à conjuntura de mercado atual, afirmou o CFO Alexandre Frizzo.

As vendas da empresa estão crescendo no Sul, região de forte cooperativismo que passa por um ano de recuperação, e no setor de cana, onde as vendas normalmente são realizadas diretamente para as usinas. Pelo mesmo motivo, o mix das culturas no faturamento deve mudar, com uma redução na participação de soja e milho e crescimento de cana, café, frutas e vegetais.

Romanini espera uma recuperação da demanda na safra 2024/25, pois a quebra da safra brasileira resultará em aumento nos preços dos grãos a partir de janeiro, afirmou. Mesmo assim, o CEO disse que a visão de 2024 ainda é obscura.

“Mas fizemos a lição de casa para entrar neste ano de forma tranquila”, afirmou, ressaltando a queda de 35% na dívida líquida em 2023, segundo o balanço do terceiro trimestre, e a alavancagem de 0,62 vez.

M&A

Embora continue a buscar aquisições, o ritmo de M&As deve seguir na mesma toada em 2024. Como o próximo ano ainda deve ser de ajuste no setor de insumos, será preciso esperar também que o ajuste no Ebitda das empresas do setor aconteça para que a Vittia consiga ser assertiva nas transações, segundo o CFO.

“Vamos ter que esperar o entendimento de qual vai ser a realidade (de Ebitda) após este ano de ajustes. Isso vai impactar bastante os negócios de M&A”, afirmou Frizzo ao The Agribiz após o evento.

Durante a apresentação, o CEO da Vittia foi questionado sobre uma possível inversão dos papéis na tese de consolidação, ou seja, a Vittia passar a ser alvo em vez de compradora. Pela primeira vez, Romanini admitiu que existe um assédio de multinacionais.

“Em 2023, tivemos visitas de grandes companhias e reuniões com presidentes mundiais. Da mesma forma que vamos procurar (empresas para aquisições), somos procurados”, reconheceu.

Uma venda, no entanto, ainda parece longe de ocorrer. “Ainda não estamos preparados para um negócio de maior magnitude, mas não descartamos isso de nenhuma forma. Agora eles também se acalmaram. Está todo mundo precisando arrumar a casa para depois vir conversar de novo”.

Na B3, a Vittia está avaliada em quase R$ 1,5 bilhão. No ano, as ações caem 17%