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O que falta para a BRF conquistar o investidor de longo prazo

Em um amplo relatório, analistas do BTG Pactual dizem que a BRF precisa entrar em um ciclo de desalavancagem estrutural para recuperar a confiança do mercado

Depois de cinco anos de estratégias instáveis e trocas constantes na cúpula, a BRF parece finalmente ter encontrado um rumo. A mudança está diretamente relacionada à transformação de uma corporation de capital pulverizado para um negócio de dono.

Desde que Marcos Molina mudou a gestão, indicando Miguel Gularte, a dona da Sadia estabeleceu o foco na recuperação da eficiência operacional da companhia, cuidando da produtividade nas granjas dos integrados até o rendimento nas indústrias e a eficiência logística, além de uma capitalização bilionária.

A melhora dos indicadores operacionais começou a aparecer nos resultados nos últimos trimestres, o que contribuiu para a recuperação das ações da BRF. No ano passado, os papéis da dona da Sadia subiram 55,4%, o melhor desempenho entre as companhias de proteína animal listadas na B3. Atualmente, a empresa está avaliada em R$ 21,6 bilhões. No auge, em 2015, a empesa já valeu mais de R$ 60 bilhões.

Mas nem tudo está resolvido e a valorização das ações está longe de ser apenas um reflexo das mudanças feitas pela gestão de Gularte. Num amplo relatório divulgado a clientes na semana passada, os analistas do BTG Pactual destrincharam a tese de investimentos na BRF.

Em documento de 20 páginas, Thiago Duarte e Henrique Brustolin fizeram um alerta: as ações da BRF podem estar sobreavaliadas, deixando uma margem pequena de valorização para quem quiser comprar o papel agora.

Lek trek, o mascote da BRF

Para sustentar os argumentos, a dupla lembra do comportamento das ações em comparação aos ciclos da carne de frango. Historicamente, as ações da dona da Sadia andam de forma pró-cíclica. Ou seja, quando as condições de oferta e demanda do mercado de frango melhoram, as ações reagem.

Esse movimento ocorreu durante o boom provocado pela peste suína africana na China, episódio que fez a demanda externa explodir, e também parece ter acontecido em 2023. Em meio à vertiginosa queda dos grãos e a bem-sucedida estratégia de gestão de estoques de matéria-prima da BRF, os papéis dispararam.

Refém dos ciclos

Ocorre que, como quase tudo na vida (e no mercado), os ciclos passam. Das últimas vezes em que o ciclo virou, apertando as margens da indústria de carne de frango, as ações da BRF caíram fortemente. “Os acionistas muitas vezes podem obter um bom lucro quando investem no upcycle e vice-versa”, escreveram os analistas do BTG.

Nesse cenário, as ações da dona da Sadia acabam sendo determinadas quase que exclusivamente pelo ciclo, atraindo traders que aproveitam os altos e baixos do mercado de frango em detrimento de investidores de longo prazo.

“A BRF e a Marfrig têm bons ativos e vantagens competitivas, mas achamos que a falta de coerência na visão de longo prazo tornam as duas mais um investimento de traders do que de investidores de longo prazo”, argumentaram Duarte e Brustolin.

Segundo eles, isso também é um reflexo das escolhas nos últimos ciclos de alta. Na prática, a companhia também é pró-cíclica nos investimentos, o que acaba pressionando a alavancagem na virada do ciclo.

Na BRF, por exemplo, o ciclo representado pelo boom das vendas à China (um efeito da epidemia de peste suína africana) foi usado pela dona da Sadia num plano de investimentos de dez anos, o que incluiu um investimento bilionário em pet food.

Se quiser mudar as perspectivas de longo prazo agora que o ciclo do frango é amplamente favorável, com margens subindo, a BRF terá de continuar com a disciplina na execução operacional e acelerar o processo de desalavancagem.

Oportunidade

O momento amplamente favorável do atual ciclo é uma chance e tanto para a BRF, capaz de levar a alavancagem para o menor patamar em quase dez anos. Diante da conjuntura favorável, os analistas projetaram um Ebitda de R$ 6,7 bilhões em 2024, 11% acima do consenso Bloomberg.

Pelos cálculos dos analistas BTG, que também consideram as despesas com arrendamentos na alavancagem, o índice que mede a relação entre dívida líquida e Ebitda pode fechar este ano em apenas 2,3 vezes contra 3,5 vezes de dezembro de 2023.

“Entrar em um ciclo de desalavancagem estrutural é fundamental para o mercado recuperar a confiança na história da BRF”, concluem os analistas do BTG.

Se conseguir esse feito, recuperando a capacidade de distribuir dividendos de forma consistente (para isso, o endividamento e as despesas com juros precisam cair), as ações da BRF podem finalmente fugir da sina dos ciclos, deixando de ser um voo de galinha.

Até lá, o BTG deve manter a avaliação neutra para as ações. O preço-alvo dos analistas para o papel está em R$ 13, nível que o papel já alcança nesta segunda-feira.