
A emergência do Brasil no agronegócio global, deixando de ser um importador líquido de alimentos para se transformar em uma potência exportadora de commodities agrícolas, teima em chegar à pecuária leiteira — a tal ponto que donos de laticínios já definiram o setor como um “patinho feio”.
A baixa produtividade da pecuária leiteira no Brasil, escancarada nos momentos em que a indústria sofre com a concorrência dos lácteos importados de Uruguai e Argentina, parecia deixar a atividade fadada à irrelevância. De uns anos para cá, no entanto, o tabuleiro do leite começou a mudar.
Estimulada pela competição por terras com a agricultura, uma transformação capaz de provocar uma revolução na produtividade da pecuária leiteira brasileira parece estar tomando forma.
Ainda silenciosa, a mudança começou por um grupo seleto de produtores que abraçou a tecnologia — assim como ocorreu no plantio de grãos a partir da década de 1970 — para mudar os parâmetros de rentabilidade do leite. Em alguns casos, o produtor de leite já consegue desbancar a lucratividade da soja.
“Quando a região é propícia para a agricultura, só existem duas opções: deixar a atividade ou aumentar a produtividade para competir”, conta Marcelo Carvalho, CEO da Milkpoint Ventures — uma das referências nacionais em análises e dados sobre a pecuária leiteira.
A hora da produtividade
Entusiastas como Carvalho já começam a ver o copo meio cheio. Aos poucos, a transformação do sistema produtivo da pecuária leiteira vem mostrando seu valor. “Já existem produtores que fazem 30 mil litros de leite por hectare ao ano, com uma receita de R$ 90 mil a R$ 100 mil por hectare por ano. É dez vezes mais que a receita da área de soja”, compara.
A estratégia de fornecimento das grandes indústrias no Brasil dá algumas pistas desse movimento. Um levantamento da MilkPoint com laticínios responsáveis por 34% do leite inspecionado no Brasil mostra que 42% do leite adquirido foi produzido no sistema de confinamento no ano passado. Em 2019, era de apenas 16%.
A migração para o confinamento, um modo intensivo de produção que demanda mais genética, tecnologia e ração — basicamente, milho —, exige uma mudança de produtividade.
Valter Galan, engenheiro agrônomo e diretor técnico da MilkPoint, calcula que o confinamento só faz sentido se o produtor consegue produzir 30 litros por vaca diariamente. Nesse patamar, a atividade pode trazer retornos interessantes.
Marcílio Branquinho, proprietário da Fazenda Cobiça, na mineira Três Corações, é um exemplo dessa transformação. “Estamos com confinamento desde 2010 e foi um divisor de águas”, contou o pecuarista ao The AgriBiz.
Na década de 1990, quando a Fazenda Cobiça ainda trabalhava no sistema a pasto — com apenas 50 vacas —, produzia apenas 10 litros diários por animal. Atualmente, conta com um moderno sistema de confinamento, tirando diariamente 40 litros de leite por vaca.
Não à toa, o pecuarista não para de expandir a atividade leiteira, mesmo estando em uma região propícia para o café. Com um rebanho de 2 mil vacas holandesas, Branquinho já obteve a autorização das autoridades estaduais para expandir a produção. O plano é chegar a 3,5 mil vacas por dia.
Isso só é possível porque a atividade é rentável. “Nos últimos dez anos, deve ter tido apenas um ano abaixo de 20%”, disse o pecuarista. O modelo de negócios da Fazenda Cobiça ajuda a estabilizar as margens.
Com produção própria de milho para a alimentação do rebanho e contratos de longo prazo para o fornecimento de leite aos laticínios Piracanjuba e Lactalis, Branquinho evita os picos e vales do preços do leite, tornando o negócio mais previsível economicamente.
Uma comparação global
“De fato, há produtores de leite no Brasil tendo de 20% a 30% ao ano de retorno sobre o capital investido”, disse Galan, da MilkPoint.
Embora esses casos de sucesso ainda estejam restritos a produtores de maior porte, os exemplos mostram que o Brasil pode ser uma potência também no leite. “Os melhores daqui estão entre os melhores do mundo”, ressaltou Carvalho.
Com um rebanho de 9,3 milhões de vacas e 99,4 bilhões de litros produzidos anualmente, os Estados Unidos são uma referência em produção de leite em sistema de confinamento. Nas contas do CEO da MilkPoint, a produtividade média americana está em 35 litros diários por vaca, um nível que Branquinho supera.
Quando olha para os dados brasileiros como um todo, Carvalho nota uma dissonância com as transformação que vêm ocorrendo. “A média brasileira representa cada vez menos o que acontece em estratos específicos”, disse.
Pelos dados do último censo agropecuário do IBGE, de 2017, cada produtor de leite no Brasil produz, em média, apenas 53 litros por dia. Esses dados levam em consideração mais de 1,1 milhão de produtores de leite, incluindo também aqueles que produzem apenas para subsistência.
Nos últimos levantamentos da MilkPoint, é possível observar que a média por produtor é bem maior. “Identificamos que 1% dos produtores que fornecem aos laticínios têm mais de 5 mil litros por dia, e representam 26% da captação dessas indústrias”, disse ele.
Com os números na ponta da língua, Carvalho quer acelerar a transformação da pecuária leiteira no Brasil. Entre 15 de 16 de maio, a MilkPoint realiza o MilkPro Summit, um evento em Atibaia (SP) que vai reunir os maiores produtores de leite, grandes laticínios e especialistas para discutir as oportunidades e o futuro da pecuária leiteira no Brasil.