Cepea sai de cena

O fim de uma era. No mercado futuro de boi gordo, a Datagro agora dá as cartas

A Datagro construiu uma base de dados que mapeia 60% do abate nacional, acompanhando as negociações de boi gordo em 14 estados

É o fim da era Cepea no mercado futuro de boi gordo. Depois de exatos 30 anos sendo a referência oficial para liquidar os futuros desse tipo na bolsa, o centro de estudos ligado à Esalq será substituído por um indicador desenvolvido pela Datagro, consultoria capitaneada por Plínio Nastari.

A mudança foi anunciada nesta terça-feira à noite e será válida para os contratos que vencem a partir de fevereiro de 2025 — cuja negociação começará a partir desta quarta-feira (9). Os papéis que vencem em outubro, novembro e dezembro deste ano, bem como em janeiro de 2025, continuam sob a metodologia antiga, do Cepea.

A ideia é que a troca do indicador ajude a dar fôlego para os contratos futuros de boi gordo, um mercado que há tempos é alvo de críticas de agentes do setor — incluindo pecuaristas e frigoríficos.

Pelas contas de Marielle Brugnari, gerente de produtos de Commodities na B3, o mercado brasileiro tem potencial para negociar de 3 a 5 vezes o abate nacional em contratos. Hoje, esse percentual está em apenas 0,4 vez.

“Nos Estados Unidos, esse volume é de 60 a 80 vezes o abate, por exemplo. Para crescer, ao longo do tempo, precisamos ter cada vez mais participantes nesse jogo, como formadores de mercado e fundos de investimento. A pessoa física até já está presente no day trade para derivativos de commodities com um volume representativo, mas também tem espaço para crescer”, diz a executiva.

Apesar da participação ínfima em relação ao tamanho e porte do mercado norte-americano, os futuros e as opções de boi gordo são o segundo tipo de contrato mais negociado entre os derivativos de commodities na B3.

Entre janeiro e setembro, o mercado futuro de boi gordo movimentou um volume financeiro de R$ 44 bilhões, uma queda de 18% sobre o mesmo período do ano passado. Para referência, o contrato futuro de commodity mais negociado na B3 é o de milho, com um volume de R$ 82 bilhões.

As críticas ao Cepea

Nos últimos anos, o tradicional indicador do Cepea foi alvo de muitas críticas.  “O preço médio do Cepea era mais baixo do que as mínimas de outros estados. Assim, mesmo que as informações de São Paulo estivessem errados, se tornavam uma referência para quem estava fora do estado”, disse uma fonte que opera com hedge no segmento.

Esse problema e a concentração de dados colocada na amostragem do Cepea eram queixas frequentes entre players do setor. Com as informações sendo coletadas “à moda antiga”, a visão de quem atua na pecuária era a de que alguns players operavam mercado futuro de acordo com a forma como prestavam contas ao Cepea. 

“Se alguém comprasse gado ao longo de toda a semana para abater na sexta-feira, podia reportar todas as compras de uma vez na quinta-feira, um ponto que faz diferença em um mercado altamente concentrado”, aponta a fonte.

Em entrevista coletiva realizada ontem à tarde, tanto Datagro quanto B3 evitaram trazer informações — ou comparações — mais diretas entre o indicador anterior e o atual, mantendo o discurso de evolução do mercado. 

Brugneri afirmou que não é pública a informação a respeito da abrangência do indicador anterior, por exemplo. “Atendemos à demanda do mercado por esse novo indicador e acreditamos que isso vai trazer mais tranquilidade para quem quiser operar”, disse.

Por dentro do indicador

O novo indicador do boi vai refletir na B3 os preços coletados em São Paulo, praça de referência para o restante do país. Atualmente, a Datagro mapeia cerca de 60% do abate do estado, ou uma média de 100 mil cabeças de gado por mês. 

Segundo João Otávio, head de pecuária da Datagro, São Paulo é referência na formação dos preços do boi por uma razão histórica, que remonta ao tempo em que a liquidação do mercado físico era realizada em Araçatuba — e o Estado tinha a maior relevância nos abatedouros. Hoje, Mato Grosso detém o maior rebanho.

O pulo do gado (com o perdão do trocadilho) da Datagro foi trazer mais tecnologia para o negócio, com APIs conectadas aos frigoríficos fazendo a coleta de dados de venda e o cruzamento de informações com o que produtores reportam no aplicativo do indicador do boi. Hoje, são mapeadas mais de 1 milhão de cabeças por mês.

Ao mesmo tempo em que vai reportar os preços de São Paulo para a bolsa, o indicador continuará disponibilizando informações a respeito dos demais estados em sua plataforma.

Em três anos de trabalho, a Datagro conseguiu construir uma base de dados que mapeia 60% do abate nacional. Atualmente, a plataforma acompanha negociações em 14 estados e disponibiliza informações de nove deles. 

No Brasil, são mais de 8 mil usuários do aplicativo do indicador do boi, sendo 3 mil pecuaristas. Segundo o head de pecuária da Datagro, o termo de confidencialidade assinado por pecuaristas e por indústrias prevê que todos os dados prestados são passíveis de auditoria, inclusive com consequências jurídicas.

De olho em estimular os pecuaristas a participarem desse ecossistema, a Datagro anonimiza os dados aos usuários — não divulga os nomes deles nem das indústrias. Além disso, faz visitas a eles, em iniciativas como o projeto Boi na Estrada, que foi a sete estados no ano passado e deve visitar oito a partir do ano que vem. 

Para formar o indicador, não há qualquer contrapartida financeira para os pecuaristas reportarem os dados na plataforma. “É como o Waze, você reporta um acidente na estrada porque vê utilidade no aplicativo”, resume Otávio.

Dentro de casa, a Datagro trabalha os dados em uma sala separada, seguindo os moldes do que faz com as informações de cana–de-açúcar, além de contar com uma câmara consultiva que conta com 5 membros da indústria, 5 pecuaristas e 3 do mercado financeiro.

“A intenção da câmara é justamente a de estar atento às novidades, normas práticas para refletir a realidade. É um ambiente de representatividade equilibrada entre produtores e indústria”, diz Otávio.

Alguns dos maiores frigoríficos fazem parte do conselho: JBS, Minerva, Marfrig, Frigol e Barra Mansa. Nos produtores estão Campanelli (um dos maiores de São Paulo), Florêncio Neto (do grupo Queiroz, maior operação de Minas Gerais), Rogério Goulart (Carta Pecuária), Neto Sartor (Grupo Maximus) e André Perroni.

Com o novo indicador lançado, o foco é avançar no percentual de dados coletados no país. Ainda há uma lista de frigoríficos menores a serem contemplados dentro dos 40% de abates ainda não acompanhados pela Datagro, uma lacuna que a consultoria espera ganhar um impulso a partir do contrato firmado com a B3.

***

Em nota divulgada na tarde desta quarta-feira (9), o Cepea informou que seguirá elaborando o Indicador do Boi, além de continuar todas as suas pesquisas sobre o mercado pecuário.

A parceria com a B3 segue válida para os indicadores que referenciam os contratos futuros de milho e etanol.