Tem sido difícil encontrar quem ainda conteste a tese do ciclo pecuário. Em que se pese sua influência sobre a formação de preços, a última temporada de liquidação de fêmeas deixou tudo bem claro.
Existe uma clara correlação entre queda nas margens da atividade de cria (produção de bezerros) e aumento da disponibilização de fêmeas para o abate, como demonstrado no gráfico abaixo. Quando estudamos a relação de causalidade, fica fácil entender que, se produzir bezerros não está dando dinheiro, o produtor se desinteressa pela atividade e, muitas vezes, precisa abater as fêmeas reprodutoras para compor caixa e se manter com o nariz fora d’água. Pagar as contas.
Pois bem, (re)entendido esse conceito, seria bom entender onde estamos hoje para projetar o futuro e explicar de onde vem essa alta pontiaguda nos preços do boi gordo que testemunhamos nos últimos meses.
Em primeiro lugar, é importante revisitar o gráfico e entender que o ciclo pecuário não costuma virar drasticamente de seu pior para seu melhor momento. Isso significa que, no primeiro trimestre de 2025, poderemos ainda ver uma participação de fêmeas mediana, em torno de 45%, e não baixa, que se daria em torno de 39% para um primeiro trimestre.
Aqui, vale a explicação de rodapé: os primeiros trimestres costumam receber uma participação maior de fêmeas em relação à média anual, pois é quando há o descarte daquelas que falharam em conceber durante a estação de monta e que, por isso, acabam sendo abatidas dentro de um programa de melhoramento genético tendo esse como um critério bem básico do processo de melhoramento.
Outro ponto importantíssimo que ninguém parece estar observando de perto, de acordo com o Serviço de Inspeção Federal (SIF), os abates brasileiros não caíram entre setembro e outubro, mas aumentaram!
Apesar de setembro ter encolhido em relação a agosto, foi um mês que teve três dias úteis a menos. Assim, quando convertemos os abates em produção de carne bovina diária, fica claro que o principal direcionador de mercado no período não foi necessariamente a oferta. Uma situação de mercado bem peculiar, ou seja, maior oferta e maior preço. O negócio, então, é olhar para o lado da demanda.
Os números oficiais de outubro de 2024 ainda não foram divulgados oficialmente, mas a Agrifatto estima um leve aumento no total de animais abatidos no Brasil neste mês, de 3,26 milhões de cabeças. Cabe a ressalva que o mês de outubro de 2024 teve 26 dias úteis. Quando se avalia a média diária de carne bovina produzida nesse mês, têm-se uma queda 6,77% na produção. Ainda assim, esse é o maior volume de bovinos abatidos na história para um mês de outubro e 15% acima da média mensal do ano de 2023.
Ainda observando os indicadores de que temos que lançar mão para fechar o diagnóstico do movimento atual, as exportações alcançaram novos recordes históricos, chegando a incríveis 252 mil toneladas em setembro. Um alto volume diante de um câmbio que orbitou os R$ 5,70, o que significa uma remuneração bastante atrativa para a indústria.
Os números de outubro foram ainda maiores, com a exportação atingindo 270 mil toneladas, um novo recorde histórico mensal.
Já o mercado interno trabalhou com um spread carcaça/arroba folgado, especialmente em setembro, mês em que o mercado doméstico foi impulsionado pelas eleições e pela movimentação financeira resultante da descarga de R$ 4,9 bilhões na economia pela corrida das eleições municipais.
A alta vem da demanda
Com uma margem boa tanto no mercado interno como no externo, fica mais fácil entender que a demanda surpreendeu e que os frigoríficos – que, de forma geral, não tinham oferecido modalidade de contratos a termo em 2024 – precisaram comprar da mão para a boca e alimentaram a alta que se visualizou nos últimos meses.
A prova cabal disso é quando colocamos em perspectiva o balanço mensal entre oferta e demanda. A disponibilidade interna de carne bovina, à revelia do aumento produtivo, caiu no mês passado ao seu menor nível desde junho de 2023, compensada pelas fortes exportações e aquecimento eleitoreiro do mercado doméstico.
É importante lembrar que o País vive uma seca bastante rigorosa em 2024, somada de queimadas recordes que consumiram a maior área no Brasil desde o início da série histórica. Esses acontecimentos influenciam muito na disponibilidade de pastagem, prejudicando a terminação dos animais, inclusive interferindo na fertilidade das fêmeas, que poderão aparecer nos abates do primeiro trimestre de 2025 como reflexo do desafio reprodutivo de 2024.
Isso poderia colocar panos quentes – sazonalmente esperados – na alta do boi que vemos agora. Portanto, para o momento de euforia, a palavra é “cautela”. A melhor hora de se avaliar ações comerciais dentro do ciclo pecuário é agora.