O acesso à emissão de títulos isentos ficou bem restrito após a ofensiva do CMN (Conselho Monetário Nacional), mas os mais criativos — e diversificados — começam a encontrar atalhos de funding mais barato e atrativo para o investidor que gosta de ficar longe dos rugidos da Receita.
Aproveitando as vantagens de operar uma trading agrícola, o BTG Pactual vai fazer história outra vez. Depois de emitir uma série de CRAs (entre eles um recorde de R$ 3,5 bilhões no ano passado), operações que não são mais permitidas após o breque do CMN, o banco de André Esteves saiu a mercado para captar pelo menos R$ 8,5 bilhões em CDCAs.
O montante será dividido em três tranches (de 5, 7 e 10 anos) com três séries cada, remunerando com juros entre 101% e 104% do CDI. Restrita a investidores qualificados, a oferta do CDCA é coordenada pelo próprio BTG e pela XP Investimentos. A liquidação do CDCA está prevista para 13 de agosto.
Tecnicamente, o CDCA é um título de crédito da mesma família dos CRAs, papéis criados durante a gestão de Roberto Rodrigues no Ministério da Agricultura, para atrair financiamento privado à agricultura brasileira.
A emissão dos CDCAs também é isenta para o investidor pessoa física, mas só pode ser feita por cooperativas ou empresas que atuem na comercialização e industrialização de insumos ou produtos agrícolas.
No caso do BTG, há ainda uma diferença em relação à prática anterior. Os CRAs emitidos pelo banco — antes do breque do CMN — eram, em grande parte, lastreados em letras financeiras do banco (ou seja, estavam submetidos ao risco banco). No CDCA, o lastro está em contratos entre a Engelhart Europa e Brasil.
No frigir dos ovos, embora seja uma subsidiária do banco de André Esteves, não há uma garantia formal da instituição financeira para a emissão anunciada — mas sim apenas a obrigação de os sócios não tirarem a companhia do guarda-chuva (a holding) do BTG.
O trunfo da Engelhart
Em tese, um banco não estaria enquadrado entre os emissores de CDCA, mas o BTG Pactual não é um conglomerado qualquer. De perfil diversificado, o banco é dono de Engelhart CTP, trading de commodities que originou 7,4 milhões de toneladas de grãos no ano passado, o que lhe dá um market share de 3,6% na exportação brasileira de soja e milho.
Quando foi criada em 2013, a Engelhart compartilhava a ambição que caracteriza os sócios do BTG Pactual. A inicial do nome, aliás, não deixa mentir. No início, já se disse que o banco gostaria de entrar para o seleto rol das grandes tradings agrícolas, conhecidas pela sigla ABCD (ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus). Com a Engelhart, logo teríamos a ABCDE.
Mas nem todos os planos deram certo e a Engelhart mudou de estratégia pelo caminho. Em 2022, o BTG decidiu incorporar a trading de commodities físicas no balanço, uma decisão que faz todo sentido para a lógica de funding do banco.
Os recursos captados com o CDCA só podem ser usados para os negócios com commodities agrícolas da trading. Mas como ela está dentro do balanço do banco, na prática os recursos funcionam como uma alternativa de funding mais barato para uso na tesouraria.
A emissão do CDCA do BTG também chama atenção pelo porte gigantesco da oferta. Sozinha, corresponde a aproximadamente um terço do estoque total dessa classe de títulos na B3. No fim de julho, o estoque de CDCAs era de R$ 30,9 bilhões, de acordo com um boletim do Ministério da Agricultura.
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Os dados da B3 mostram como as restrições do CMN desaceleram as emissões LCAs, especialmente com vencimento mais curto. Ao longo deste ano, o estoque de LCAs ficou estável em R$ 478 bilhões. Enquanto isso, o estoque de LCIs caiu ligeiramente, de R$ 373 bilhões para R$ 362 bilhões.
Em compensação, o estoque de CDBs cresceu 9,5%, fechando julho em R$ 2,3 trilhões. Por não ser um produto isento de imposto, os CDBs custam mais caro para os bancos. Em comparação a letras isentas com as LCAs, a remuneração ao investidor algo entre 10 a 15 pontos-base (0,10% e 0,15%) maior. (Colaborou Luiz Henrique Mendes)