Uma das usinas de açúcar mais antigas do país, a quase centenária Coruripe prepara um alongamento de dívidas de mais de R$ 700 milhões, acessando os mercados bancário e de capitais.
A medida tem potencial para reduzir os temores dos credores e agências de rating, que já chegaram a levantar a bandeira amarela diante do descasamento entre o caixa da Coruripe e os vencimentos de curto prazo.
No mercado brasileiro, alguns gestores de crédito chegaram a se desfazer dos CRAs que detinham. No exterior, os bonds da companhia (um título de US$ 300 milhões que vence em 2027) negociavam a 0,76 do valor de face na última sexta-feira, pagando um yield de 20,4% aos investidores no mercado secundário, o dobro de quando foram captados, em 2022.
Para todos os efeitos, os bonds da companhia são considerados distressed, mas o título da Coruripe sofreu com uma particularidade alheia ao que ocorre neste grupo.
Além da baixa liquidez, os bonds foram prejudicados logo no primeiro dia de negociação, quando uma casa vendeu US$ 11 milhões em papéis, provocando desconforto no mercado e entre os bancos envolvidos na operação (Morgan Stanley, Itaú BBA, BTG Pactual e Citi foram os coordenadores).
Em entrevista ao The Agribiz, o diretor financeiro da Coruripe, Thierry Soret, minimizou as preocupações com a estrutura de capital, detalhando as medidas da empresa. “Vamos fechar a safra com a liquidez de curto prazo bastante positiva”, disse.
Além da rolagem do passivo de curto prazo, a Coruripe se beneficia de uma safra recorde, com moagem de 16 milhões de toneladas de cana — a companhia possui quatro unidades em Minas Gerais e uma em Alagoas, no município que batiza o grupo —, e dos preços remuneradores do açúcar.
Bonds e rating
Soret atribui as avaliações negativas das agências de classificação de risco a uma fotografia errada do momento da safra. Em novembro, por exemplo, a Moody’s rebaixou a nota de crédito da companhia (de B3 para B2), mantendo a perspectiva negativa.
“A agência comparou banana com laranja, olhando o meio da safra em relação a março”, disse diretor financeiro da Coruripe. Ao traçar uma fotografia do balanço do grupo sucroalcooleiro em setembro, a agência desconsiderou a sazonalidade da operação.
Usualmente, a usina tem um grande dispêndio de capital de giro nos primeiros meses da safra (que vai de abril a março), tomando mais recursos de curto prazo. A companhia forma estoques para concentrar as vendas de açúcar e etanol na entressafra.
“Meu caixa começou a entrar em novembro, com os embarques de açúcar. E começo a desovar etanol em dezembro, na entressafra. Aí você vê a dívida reduzindo”, explicou Soret. Além da sazonalidade usual, nesta safra também houve atraso nos embarques de açúcar no porto de Santos, uma questão que já foi equacionada.
Na avaliação de Sorret, a postura mais conservadora das agências de rating se explica pelas dificuldades que o mercado de crédito enfrentou neste ano, especialmente após a crise da Americanas. “Grandes empresas, com ratings elevados, entraram em default da noite para o dia, e acabaram punindo os demais players”.
Em março, quando a Coruripe entregar os bons resultados da safra, Soret espera uma mudança na avaliação das agências. “Quero ver se vão rever o rating comparando março com março”, disse o executivo.
Rolagem e precatórios
Paralelamente ao caixa das vendas de açúcar e etanol, a Coruripe também está negociando cinco operações de funding para rolar as dívidas de curto prazo, levando cerca de R$ 700 milhões para vencimentos entre três a cinco anos.
Nessas negociações, estão desde operações de créditos usuais, como pré-pagamento de exportação, em acordos com bancos internacionais como o Citi, bancos locais e tradings, até a estruturação de um FIDC, que deve ser concluído até fevereiro. “Tem um pouco de tudo”, disse Soret.
Atualmente, a dívida bruta da Coruripe soma R$ 3,4 bilhões, sendo quase R$ 1,5 bilhão com os detentores dos bonds. O mercado de capitais responde por 56% das dívidas da companhia, que tem 31% do endividamento com bancos comerciais, 12% com bancos de fomento (BNDES, BNB e BDMG) e 1% com tradings.
A Coruripe também conta com uma alternativa relevante para gerir o passivo. A companhia tem cerca de R$ 4,5 bilhões em precatórios do antigo Instituto do Açúcar e Álcool (IAA). A discussão, já transitada em julgado, está em fase de cálculo na Controladoria-Geral da União (CGU), mas já é certo que a companhia terá um montante considerável a receber da União, potencialmente em 2025.
Quando o processo do IAA virar efetivamente um precatório, uma das alternativas pode ser vender o crédito com desconto no mercado, ou esperar o pagamento da União.
“Não faz sentido vender isso agora, com o pessoal pedindo um deságio considerável. Quando virar efetivamente um precatório, o valor de mercado muda”, afirmou Soret.
Mais açúcar
Operacionalmente, a Coruripe conta com uma boa safra e prevê atingir novamente 16 milhões de toneladas de cana de moagem no ciclo 2024/25, que começa em abril do ano que vem.
Apesar de operar com mais de 60% da cana de terceiros, o que poderia tornar a companhia refém dos preços do Consecana — que subiram na esteira do açúcar —, a Coruripe mantém acordos em que consegue travar a margem da matéria-prima, disse Soret.
Além disso, o grupo conseguiu fazer hedge do açúcar em bons níveis. Quase metade da commodity foi travada com uma média acima de 22 centavos de dólar por libra-peso. “Para a gente, qualquer coisa acima de 18 a 19 centavos de dólar já remunera”, contou o executivo.
Assim como outros grupos, a Coruripe também investiu para ampliar o mix açucareiro, investindo em uma fábrica de açúcar que adicionará 190 mil toneladas de capacidade.
Na atual safra (2023/24), o açúcar deve representar 60% do mix da companhia, uma fatia que deve chegar a 66% na temporada que vem, graças aos investimentos na Limeira do Oeste, onde antes só produzia etanol.
A Coruripe prevê fechar a safra com um faturamento de R$ 4,3 bilhões, crescimento de 17%. No guidance, a margem Ebitda esperada é de 40%.
Usina histórica
Fundada em 1925 em Alagoas a partir da união de vários engenhos, a Coruripe é controlada pelos herdeiros de Tércio Wanderley, o empresário que comprou a usina do fundador José de Castro Azevedo, em 1941.
Na década de 1990, o grupo veio para Minas Gerais, onde hoje tem a maior parte de sua produção de açúcar e etanol.