Depois de sete meses em negociações, a Raízen acaba de receber R$ 3 bilhões (US$ 617 milhões) de uma trading que topou adiantar parte das receitas vinculadas aos contratos de longo prazo que a companhia controlada por Cosan e Shell possui para a venda de etanol de segunda geração (E2G).
Os recursos entraram no caixa da Raízen na terça-feira, sacramentando um modelo de contrato inédito na indústria. “O programa do E2G tem três partes. Já tínhamos a engenharia de produto e a comercial. Faltava a financeira”, disse Carlos Moura, diretor de finanças e relações com investidores, em entrevista exclusiva ao The AgriBiz.
Para a Raízen, o contrato é mais um marco na história do desenvolvimento do etanol de segunda geração, um produto com grandes vantagens ambientais — feito a partir de resíduos da cana — que demonstra a capacidade do Brasil para liderar a transformação para uma economia de baixo carbono.
“Nessa visão de reindustrialização, a Raízen é claramente um grande exemplo de economia circular”, disse Moura, orgulhoso dos feitos que companhia vem conseguindo.
Aos poucos, a Raízen vem mostrando que o E2G é uma realidade que veio para ficar, afastando os temores dos céticos que ainda questionam a capacidade de transformar o etanol de segunda geração em um produto de escala industrial e comercialmente viável.
O desenvolvimento do E2G
Na trajetória de desenvolvimento do E2G, a Raízen primeiro conseguiu chegar a uma tecnologia proprietária capaz de produzir o produto em volumes significativos, o que viabilizou a tese do IPO em 2021, quando a companhia levantou R$ 6,9 bilhões para financiar a construção das usinas de etanol de segunda geração.
Depois, em novembro de 2022, veio a primeira validação comercial, com a assinatura de contratos de longo prazo para o fornecimento do etanol de segunda geração.
Ao todo, a Raízen firmou 4,3 bilhões de euros em contratos para exportar E2G para a União Europeia e Estados Unidos. O produto será usado para a produção de SAF, o combustível sustentável de aviação.
Nesses contratos de longo prazo, a Shell é a maior compradora do E2G da Raízen, um sinal de confiança da sócia na tecnologia da companhia brasileira antes mesmo que as plantas de etanol de segunda geração ficassem prontas.
Ao todo, a Raízen prevê chegar a oito plantas de E2G em 2027, capazes de produzir 686 milhões de litros por ano. Até agora, duas plantas foram concluídas, a primeira em Piracicaba (SP) e a segunda em Guariba (SP).
Há outras quatro plantas em construção e três em fase de projeto. Cada planta demanda um investimento de R$ 1,2 bilhão, em média, disse Phillipe Casale, diretor de relações com investidores da Raízen.
Até aqui, a companhia brasileira já investiu R$ 2,7 bilhões nos projetos do E2G.
Como funciona o contrato
A partir dos contratos de fornecimento de longo prazo que possui com a Shell, a Raízen vinha negociando a antecipação de parte da receita. Em fevereiro, os executivos da Raízen já tinham indicado aos investidores que o adiantamento de parte das receitas do E2G estava próximo de ocorrer.
Na terça-feira, veio a confirmação e o porte significativo do contrato. Para se ter uma ideia, os R$ 3 bilhões que recebeu são capazes de financiar a construção de pelo menos duas unidades de E2G. “O objetivo é justamente sustentar o investimento nas plantas”, ressaltou Carlos Moura.
A Raízen não abriu o nome da trading que adiantou os recursos, mas Moura deu detalhes sobre os termos do contrato na entrevista ao The AgriBiz, concedida na noite de quarta-feira.
Trata-se de um contrato de natureza comercial, e não financeira. Ou seja, não há impactos no endividamento da companhia. Na prática, a Raízen está adiantando parte do fluxo futuro do contrato de fornecimento firmado com a Shell. Quando o volume for entregue pela Raízen, a Shell paga automaticamente a trading.
Para a trading, significa ter uma contraparte da qualidade de crédito da Shell, o que reduz o risco financeiro do contrato e torna a operação mais competitiva.
Volume do contrato
A trading também está dando um voto de confiança na entrega das próximas usinas, até porque as plantas de EG2 em funcionamento têm capacidade para apenas 112 milhões de litros e o contrato de adiantamento está atrelado a um volume de 617 milhões de litros, avaliando o E2G perto de US$ 1 por litro.
Como é típico em adiantamentos, a trading compra o E2G com um desconto sobre o valor do contrato, ficando com a diferença entre o que pagou e o que vai receber da Shell.
Nesse contrato, a entrega efetiva do volume de E2G está atrelada ao preço. Se os preços do E2G ficarem acima de US$ 1 por litro, a trading receberá os recursos que adiantou a partir de um volume inferior a 617 milhões de litros.
Do outro lado, a Raízen se protegeu com um preço mínimo, mas se o produto estiver mais caro lá na frente — o que faz sentido esperar considerando a crescente demanda por SAF —, a diferença será compartilhada entre a companhia e a Shell.
“Esse contrato permite ter um piso de preço. O nosso cliente sempre vai ter um preço abaixo do mercado, e vamos dividir com ele esse ganho”, explicou Moura.
Estrutura de capital
No balanço da Raízen, a entrada dos R$ 3 bilhões vai ajudar a financiar as plantas de E2G preservando a estrutura de capital.
Quarta maior companhia privada do Brasil, a Raízen possui grau de investimento e pretende preservar o selo das agências de classificação de risco mesmo com a expansão que vem fazendo.
A meta da Raízen é manter o índice de alavancagem (relação entre dívida líquida e Ebitda) entre 1,6 vez e 1,8 vez.
Nas últimas semanas, a companhia também fez operações de dívidas no exterior, alongando o prazo médio de vencimento para sete anos. Em seu primeiro green bond no mercado internacional, a empresa captou US$ 1,5 bilhão, em papéis com vencimento em 10 e 30 anos.
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Listada na B3, a Raízen está avaliada em R$ 36,2 bilhões. Em doze meses, os papéis sobem 40%.
Cosan e Shell são as maiores acionistas, com 44% do capital total cada. A britânica Baillie Gifford possui 5,6% das ações preferenciais e 0,7% do capital total. O GIC, fundo soberano de Singapura, e a gestora americana Nuveen também possuem mais de 5% das ações preferenciais.