Saída à britânica

Do boom ao amargor: Bunge deixa indústria sucroalcooleira após 16 anos

Depois de acumular prejuízos em suas operações no Brasil, gigante americana vendeu participação em joint venture para a BP, embolsando cerca de US$ 800 milhões

Depois de 16 anos, a Bunge encerrou sua passagem pelo setor sucroalcooleiro no Brasil, deixando de atuar em uma indústria que, a bem da verdade, só rendeu dor de cabeça (e prejuízos) para os players estrangeiros.

Numa transação amplamente aguardada pelo mercado, a Bunge anunciou nesta quinta-feira a venda da participação de 50% na joint venture que mantinha com a BP. A petroleira britânica vai assumir 100% do negócio.

Ao todo, a BP Bunge — sociedade que reúne 11 usinas de cana-de-açúcar — foi avaliada em aproximadamente US$ 2,8 bilhões, considerando equity e dívidas. Em um comunicado ao mercado, a BP informou que o EV (sigla em inglês para valor de firma) dos 50% que pertenciam à Bunge foi avaliado em US$ 1,4 bilhão.

Desse total, a trading comandada por Greg Heckman espera receber em torno de US$ 800 milhões quando o negócio for aprovado pelas autoridades antitruste. Para chegar a esse montante, é preciso descontar do valuation a dívida líquida (US$ 500 milhões) e os arrendamentos (US$ 700 milhões).

Para ficar com os ativos, a BP está avaliando a joint venture a um múltiplo (EV/moagem) de US$ 72,41 por tonelada, sem considerar os arrendamentos. Os cálculos consideram a moagem efetiva das 11 usinas na última safra, que totalizaram 29 milhões de toneladas. Ao todo, as usinas da BP Bunge têm capacidade para moer 32,4  milhões de toneladas de cana.

Para um negócio que rendeu tantos problemas ao longo de quase duas décadas, a saída até que saiu a um preço razoável. A São Martinho, maior referência quando o assunto é a indústria de açúcar e etanol, negocia a um EV/moagem de US$ 105 por tonelada, segundo Willian Hernandes, sócio da consultoria FG/A. A Jalles Machado, por outro lado, negocia entre US$ 65 e US$ 70 por tonelada.

Chegar aos múltiplos do acordo entre BP e Bunge não é uma tarefa exatamente fácil, especialmente quando se considera apenas os comunicados em português das duas companhias. “Um quer dizer que pagou barato, o outro quer dizer que vendeu caro”, brincou um executivo da indústria.

De qualquer forma, a venda de sua metade na JV para a BP foi a saída viável encontrada pela Bunge para sair de um negócio que, há tempos, a companhia vinha sinalizando a intenção de deixar.

Essa é a tônica da gestão de Heckman, que dedicou os últimos anos a vender negócios de baixo desempenho e cortar custos. Em 2019, também com a finalidade de simplificar os seus negócios, a empresa vendeu seus ativos de margarina e maionese no Brasil para a Seara, que pertence à JBS.

“Essa transação nos permitirá focar e investir em nossos negócios principais”, disse o CEO da Bunge, em comunicado. A prioridade é concluir a megafusão com a Viterra, anunciada no ano passado.

Do boom à crise

A história da Bunge em açúcar e álcool no Brasil começou no primeiro boom de etanol no Brasil. Em 2007, a trading norte-americana comprou a Usina Santa Juliana, no Triângulo Mineiro. Três anos depois, adquiriu cinco usinas do Grupo Moema, que tinha Maurílio Biagi Filho entre os acionistas. A transação, que deu porte a essa divisão na Bunge, foi anunciada por US$ 1,5 bilhão.

Na gestão de Pedro Parente, a empresa ainda investiu em dois greenfields: uma usina  em Pedro Afonso, no Tocantins, e outra em Ponta Porã, no Mato Grosso do Sul.

Naqueles tempos, a emergência do carro flex e o entusiasmo do presidente Lula atraíram bilhões de dólares em investimentos estrangeiros no etanol, o que se provou um grande erro. No governo Dilma, o controle dos preços do petróleo pela Petrobras castigou os resultados da usinas.

Não por coincidência, muitos quebraram nesse período e as grandes tradings tiraram o pé do setor ao longo dos anos. A Biosev, que pertencia aos franceses da Dreyfus, foi vendida à Raízen. A Cargill ainda mantém uma companhia em sociedade com a Usina São João, mas já vendeu a Cevasa para a Batatais em 2021.

Mesmo a BP, que agora se tornou compradora, chegou a considerar a venda da participação que possuía na BP Bunge, em uma transação de saída junto com a sócia, reportou o Valor Econômico no início do ano passado. Mubadala, fundo soberano de Abu Dhabi que controla a sucroalcooleria Atvos, e Raízen chegaram a olhar para o ativo, mas os preços estavam muito distantes da intenção dos vendedores.

Sem a venda, a BP passou a considerar assumir a fatia da Bunge, o que de fato ocorreu agora. Para a petroleira, o negócio representa uma oportunidade de explorar novos negócios, como o etanol de segunda geração, o SAF (combustível sustentável de aviação) e o biogás.

Pelos cálculos da BP, a aquisição dos 50% da joint venture se enquadra na meta da companhia de obter um retorno mínimo de 15% em bioenergia. No ano passado, o Ebitda da joint venture chegou a US$ 800 milhões. A meta do companhia é fazer um Ebitda de US$ 2 bilhões em bioenergia em 2025.

No Brasil, a BP atua com açúcar e etanol desde 2011, quando adquiriu a CNAA (Companhia Nacional de Açúcar e Álcool), por US$ 680 milhões. Os britânicos se associaram à Bunge em 2019, criando a joint venture. Na ocasião, a trading americana recebeu pouco mais de US$ 700 milhões, no que foi o início do movimento de saída da Bunge.

Quando BP e Bunge se uniram, os problemas das operações de açúcar e etanol de ambas no Brasil já eram conhecidos, com um prejuízo acumulado de mais de R$ 7 bilhões.

De lá para cá, as operações melhoraram. O clima bastante favorável para a cultura e preços remuneradores do açúcar contribuíram com os resultados, mas a presença de um sócio mais animado com as perspectivas do negócio também pesou.

“Com a entrada da BP, a empresa passou a ter um sócio com uma sinalização maior de continuidade no negócio, diferente da Bunge, que vinha mostrando sinais de saída”, disse Hernandes. “Os movimentos de entrada das petroleiras no setor normalmente casam com uma perspectiva promissora para o etanol. Hoje, elas são favoráveis com o SAF e mesmo com o etanol combustível. Casa com a tese da BP”.

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Listada na Nyse, a Bunge está avaliada em US$ 14 bilhões. A BP está avaliada em US$ 96 bilhões. No pregão desta quarta-feira, ambas sobem perto de 0,8%.