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O açúcar vai subir muito mais. Para Plínio Nastari, o movimento é inevitável

Clima seco e incidência da síndrome da murcha ameaçam a produtividade dos canaviais até a safra 2026/27

Açúcar usinas

RIBEIRÃO PRETO (SP) — Quem a assistiu à palestra de Plínio Nastari no tradicional encontro do Citi com donos de usinas e executivos da indústria de açúcar e etanol, há um ano, certamente percebeu um tom mais preocupado na edição mais recente, a 18ª organizada pelo banco americano na capital da cana-de-açúcar.

Temperada pelo clima seco que já vinha castigando os canaviais mesmo antes das queimadas e pela incidência da síndrome da murcha (uma doença causada por um fungo), a fala do fundador da Datagro soou com um sinal de alerta para os riscos à produtividade agrícola das usinas — pelo menos até a safra 2026/27.

“A murcha é uma coisa que ainda está pouco comentada no setor, mas estamos vendo que é um problema e não se sabe ainda como combatê-la de forma eficaz”, disse Nastari diante da plateia reunida no Espaço Golf, um conhecido espaço de eventos em Ribeirão Preto.

A um desavisado, a preocupação de Nastari talvez pudesse ser interpretada como um problema para a saúde financeira das usinas. Nada mais falso. “Estou preocupado com o clima, estou preocupado com a murcha. Mas todos esses são elementos construtivos para o preço”,  disse o fundador da Datagro depois da palestra, em entrevista a jornalistas.

Se a oferta enfrenta desafios no maior exportador de açúcar, o consumo global de açúcar vai muito bem, crescendo de 1,8 milhão de toneladas a 2 milhões de toneladas por ano. Numa combinação como essa, falta produto e, inevitavelmente, os preços terão de subir, o que é uma ótima notícia para as usinas.

A atual safra (2024/25), aliás, pode ser a quarta consecutiva de déficit global da commodity. O desequilíbrio entre oferta e demanda só será sanado quando os preços do açúcar forem altos o suficiente para estimular a produção global — e não apenas no Brasil.

Na safra passada, a produção brasileira de açúcar até foi espetacular, com uma moagem recorde de 654 milhões de toneladas de cana no Centro-Sul e 42,3 milhões de toneladas de açúcar produzidas, mas ainda assim o déficit global continuou.

“Pela primeira vez, o aumento do mix de açúcar das usinas brasileiras não levou a um excedente de oferta global”, escreveram Thiago Duarte e Guilherme Guttilla, analistas do BTG Pactual, em um amplo relatório enviado a clientes no fim de setembro.

Nesta safra 2024/25, as usinas brasileiras sequer conseguirão repetir o feito de ampliar a produção. Diante do clima hostil, a produção de açúcar deve cair 4%, estimou o BTG Pactual no amplo relatório.

Nesse cenário, o que esperar dos preços agora? Uma alta parece bem provável. Não à toa, os analistas do BTG recomendam a compra de ações dos principais players listados de açúcar e etanol: Raízen, Adecoagro, São Martinho e Jalles Machado, com um upside que vai de 40% a 130%, a depender do papel.

“Está ficando evidente que o Brasil, mesmo com o aumento de investimentos para maximizar a oferta de açúcar, vai provavelmente ser incapaz de preencher o déficit global, especialmente com o consumo global crescendo entre 1% e 2% ao ano”, escreveram os analistas do BTG.

Qual é o teto?

Nesse ambiente bullish, até onde o preço do açúcar pode ir? Plínio Nastari evita previsões sobre o que vai acontecer com os contratos na bolsa de Nova York, mas está convicto de que a commodity deveria ser negociada entre 24 centavos de dólar e 26 centavos de dólar por libra-peso para estimular um aumento significativo da produção. Atualmente, os preços estão mais perto dos 23 centavos de dólar.

“Mas não adianta subir o preço por uma semana, 15 dias. Ele precisa subir e se manter num nível razoável por um período relativamente longo para dar coragem ao empresário fazer esse investimento. Senão, não vai acontecer”, disse Nastari, reforçando que o crescimento da demanda é secular.

No longo prazo, a consumo está praticamente contratado, e não só para o açúcar. A necessidade de etanol para a produção de SAF, bioplásticos e hidrogênio verde passa de 810 bilhões de litros, enquanto a produção atual não chega a 90 bilhões de litros.

“A demanda potencial é 9,4 vezes a atual produção mundial”, resumiu o fundador da Datagro. Para ele, a oferta de cana pode até ser motivo de preocupação nos próximos anos, mas o futuro da indústria é brilhante.

*O jornalista viajou a convite do Citi