Funding

Por que os bancos perderam participação nas usinas

“A nossa exposição ao setor de açúcar e etanol diminuiu, mas não foi por falta de vontade ou empenho nosso. O setor se desalavancou”, disse André Cury, do Citi

RIBEIRÃO PRETO (SP) — A geração de caixa proporcionada pelo açúcar nas últimas safras e a disparada das emissões de CRAs transformaram o perfil de dívida das usinas sucroalcooleiras do Centro-Sul, ampliando o peso do mercado de capitais em detrimento do financiamento bancário.

A análise é de André Cury, head de commercial bank do Citi para o Brasil e América Latina. Tradicionalmente, o Citi é um dos grandes financiadores das usinas, com oferta de créditos na forma de pré-pagamento de exportação (PPE) e outros instrumentos associados à exportação de açúcar.

“A nossa exposição ao setor de açúcar e etanol acabou diminuindo nos últimos três anos, mas não foi por falta de vontade ou empenho nosso”, disse Cury, que conversou com jornalistas após participar do 18º Encontro Anual de Açúcar e Álcool, promovido pelo Citi em Ribeirão Preto.

André Cury, Citi
André Cury, do head de commercial bank do Citi: “O mercado de capitais passou a ser um importante indutor de investimentos” | Divulgação

Uma das razões apontadas para o movimento é a redução do endividamento da indústria de açúcar e álcool. Graças aos bons resultados proporcionado pelo açúcar, o índice de alavancagem de boa parte dos players diminuiu. Nas contas de Cury, o índice de alavancagem das usinas caiu pela metade nos últimos anos.

No Centro-Sul, o índice de alavancagem das usinas (relação entre dívida líquida e Ebitda) caiu de 1,43 vez na safra 2022/23 para 1,15 vezes no fim da safra passada, de acordo com um levantamento da FG/A, uma das consultorias mais respeitadas no mercado de crédito sucroalcooleiro.

A posição de caixa das usinas também melhorou, saindo do equivalente a 1,6 vez a dívida de curto prazo em 2020/21 para 2,32 vezes.

Ao mesmo tempo em que as usinas geravam caixa para reduzir a alavancagem, um outro movimento mudou a dinâmica do mercado. A popularização dos CRAs, que ganharam um impulso adicional com o advento dos Fiagros, mostrou que as usinas tinham no mercado de capitais um financiador que pode oferecer custos competitivos e prazos mais longos.

“O mercado de capitais passou a ser um importante indutor de investimentos e um fornecedor de crédito. Fomos substituídos pelo mercado de capitais”, argumentou Cury.

Na carteira de usinas do Citi, que atende companhias que representam mais da metade da moagem de cana do Centro-Sul, as empresas conseguem aproximadamente 60% dos recursos no mercado de capitais. Segundo ele, os bancos financiam 30% e o restante fica com o BNDES e outras instituições multilaterais. “Se você olhar essa mesma foto há dez anos, era quase tudo bilateral. Há cinco ou seis anos, os bancos eram 60%”, estimou.

O levantamento feito pela FG/A evidencia a evolução do financiamento do mercado de capitais para as usinas. No ano passado, o estoque de CRAs de usinas somava R$ 41 bilhões, o triplo do estoque registrado em 2018.

Nas estimativas de Juliano Merlotto, sócio-fundador da FG/A, a dívida bruta das usinas do Centro-Sul está em R$ 100 bilhões, o equivalente a algo entre R$ 130 e R$ 150 por tonelada de cana. Desse total, os CRAs ficam com 42%.

A maior participação do mercado de capitais também ajuda a alongar as dívidas, fortalecendo a estrutura de capital. Neste ano, o vencimento médio dos CRAs emitidos (considerando todos os setores do agro, e não apenas as usinas) é de 7,1 anos, um prazo que nenhum banco consegue competir.

*O jornalista viajou a convite do Citi