O rápido crescimento da indústria brasileira de etanol de milho vem abalando os pilares do mercado brasileiro de biocombustíveis. O primeiro deles: em 2023, a produção de etanol na região mato-grossense de Sorriso foi maior do que a de Ribeirão Preto, no interior paulista.
Graças às usinas de milho, o Mato Grosso produziu no ano passado um excedente de produção de 4,5 bilhões de litros para abastecer outras partes do país — o maior dentre todos os estados produtores. Em cinco anos, o Mato Grosso passou da quinta posição para a vice-liderança posição no ranking brasileiro de estados produtores de etanol.
É um feito profundamente simbólico que traz uma energia diferente para o mercado, com o perdão do trocadilho: o coração da produção brasileira de grãos ganha cada vez mais proeminência num mercado desde sempre dominado pelas tradicionalíssimas regiões canavieiras. E existem claros impactos estruturais dessa transformação.
O aumento da produção de etanol de milho contribui significativamente para uma superoferta. Resultado: os preços nas usinas mantiveram-se abaixo do custo de produção do biocombustível de cana durante praticamente toda a safra canavieira do Centro-Sul — e permanecem no vermelho nesta entressafra, mesmo que praticamente todas as usinas do Centro-Sul estejam no momento fora de operação, aguardando pelo início da safra 24/25, oficialmente em 1º de abril.
Enquanto isso, o etanol de milho se manteve rentável na maior parte da safra.
É verdade que existe um componente conjuntural nessa situação. Os baixos preços do milho no ano passado facilitaram as coisas, favorecendo as margens e competitividades das usinas que o produzem. Dificilmente, porém, a sazonalidade dos preços do biocombustível voltará a ser fortemente correlacionada à entressafra da cana, como era antes.
Atualmente, o Brasil tem uma capacidade de produção de 7,5 bilhões de litros de etanol de milho ao ano — boa parte deles concentrada em Mato Grosso. Projetos em andamento devem elevar essa capacidade para 14 bilhões de litros anuais até 2033.
Desde 2018, o consumo de milho para a produção de etanol cresceu quase dez vezes, saindo de 1,8 milhão para uma estimativa de 16,4 milhões de toneladas em 2024. Sozinha, a participação dessa indústria no consumo doméstico de milho aumentou de 3% para quase 20% nos últimos seis anos — e deve continuar subindo daqui para frente.
Parte do agronegócio já se pergunta o que acontecerá com os preços do etanol quando começar a nova safra de cana-de-açúcar do Centro-Sul, em abril. Em 2023, a situação das usinas de cana foi beneficiada pelos elevados preços internacionais do açúcar. Isso proporcionou margens de lucros mais do que suficientes para compensar a perda de rentabilidade do etanol.
Existem outros fatores que podem trazer algum alívio. Há a expectativa de que ainda em 2024 ocorra um aumento de 27% para 30% na mistura de etanol anidro na gasolina vendida aos consumidores brasileiros, ajudando a enxugar a superoferta. No médio prazo, a intensificação de programas de descarbonização também pode ajudar a elevar a demanda pelo biocombustível.
Existem, no entanto, ameaças bastante consistentes. É preciso lembrar que passamos por um momento de relativo aperto no balanço global de açúcar devido aos problemas de safra causados pela falta de chuva na Índia e pela redução de área de cana na Tailândia, por exemplo. Como será quando a oferta de açúcar normalizar e os preços se estabilizarem em níveis mais baixos — e a produção brasileira de etanol de milho continuar forte?
As transformações do mercado de combustíveis impõem sérias reflexões para o setor sucroenergético.