O clima de pânico que paira sobre o agronegócio tem uma nova vítima: a FS, uma das maiores produtoras de etanol do Brasil. Nas últimas semanas, mensagens apócrifas sobre um suposto risco de default e até de um inexistente processo de recuperação judicial circularam no WhatsApp de investidores de CRAs, provocando um selloff dos papéis.
Para estancar a sangria causada pela boataria e transmitir uma mensagem de liquidez e confiança no negócio, a empresa vem recomprando os títulos no mercado secundário, o que deve ajudar a espantar as preocupações.
Desde a semana passada, a FS recomprou cerca de R$ 80 milhões em CRAs, apurou The AgriBiz. Dados disponíveis no site da Anbima mostram que alguns títulos chegaram a ser recomprados com deságio de até 12%. Segundo fontes próximas à empresa, a FS pode recomprar até R$ 200 milhões em CRAs caso os preços dos títulos continuem baixos. Com isso, a empresa não só dá suporte aos preço dos títulos, mas reduz a dívida bruta aproveitando o custo menor.
A corrida no mercado renda fixa é apenas uma das frentes da FS para acabar com os efeitos de rumores infundados que impactaram a sua rotina nas últimas semanas, chegando até a afetar as negociações de milho pontualmente. Em meio ao pânico de inadimplência que tem influenciado decisões na Faria Lima e no campo, especialmente após a recuperação judicial da Agrogalaxy, a FS vem agindo rapidamente.
The AgriBiz apurou que o CEO da empresa, Rafael Abud, passou a semana passada visitando produtores no Mato Grosso — muitos deles estavam temerosos de vender milho para a FS com receio de não receber pelo grão. O objetivo principal do diálogo era esclarecer que o conteúdo das mensagens que circularam pelo WhatsApp é falso. Nesse processo, a companhia chegou até a adiantar pagamento a alguns agricultores mais receosos.
O balanço financeiro mais recente da FS, referente ao trimestre encerrado em junho, mostra uma situação confortável para honrar os compromissos de curto prazo: a companhia tinha R$ 3,9 bilhões em caixa, enquanto as dívidas a serem pagas em 12 meses somavam R$ 1,3 bilhão.
É fato que a alavancagem disparou no trimestre, com a dívida líquida alcançando 7,4 vezes o Ebitda, ante 2,4 vezes um ano antes. O indicador de endividamento, aliás, talvez tenha sido o gatilho para os boatos. Uma das notícias falsas que circularam era sobre um descumprimento de seus covenants financeiros.
De fato, a alavancagem da empresa ultrapassou o limite estabelecido pelos covenants de 3 vezes, mas isso não implica em default e nem acelera o vencimento dos empréstimos, como a própria companhia explica em suas demonstrações financeiras.
Isso porque o covenant adotado pela FS é de incorrência, mais comum no mercado de títulos internacional do que no Brasil. Ao contrário de possibilitar aos credores a execução antecipada da dívida, esse tipo de covenant da FS prevê apenas a proibição de alguns tipos de operações de crédito, como a emissão de novos títulos, caso a alavancagem ultrapasse o limite estabelecido. A cláusula também suspende a distribuição de dividendos.
O pior já passou
Logo após a publicação do último balanço trimestral, em agosto, analistas que cobrem a FS apontaram uma tendência de redução da alavancagem, que teria atingido o seu pico. O BTG Pactual, por exemplo, divulgou relatório com perspectivas animadoras para a empresa, destacando inclusive um potencial de valorização para os títulos da FS no exterior devido ao momento mais favorável no mercado de etanol e perspectiva de desalavancagem.
A previsão se confirmou: o rendimento (yield) dos bonds da empresa com vencimento em 2031 caíram de 9,7%, em junho, para 8,4% em 23 de outubro, mostram dados da Bloomberg. Isso significa que os detentores dos bonds — alheios às mensagens falsas que circularam no Brasil — estão aceitando taxas mais baixas, sinalizando mais conforto com o risco da empresa.
O movimento é totalmente oposto à trajetória dos CRAs no mercado brasileiro. No mesmo período, o rendimento dos CRAs pós-fixados vencendo em 2026, por exemplo, disparou de 1,98% para 4,3% no mercado secundário, segundo dados da Anbima.
A dinâmica do milho na FS
A disparada na alavancagem da FS, possivelmente o principal gatilho para os rumores envolvendo a sua saúde financeira, é explicada por uma queda abrupta no Ebitda dos últimos 12 meses, causada por um inferno astral que dificilmente deve se repetir.
O principal impacto veio de estoques caros de milho. Para assegurar sua principal matéria-prima e evitar sustos, a FS tem como política comprar antecipadamente o insumo. Mas, no ano passado, a estratégia acabou resultando num estoque caro do grão, que começou a cair depois que a empresa já havia adquirido boa parte de sua necessidade para o ano.
Ao mesmo tempo, os preços de seus principais produtos (etanol e DDG) caíram. As vendas de DDG, por exemplo, não chegaram a cobrir os custos de milho, o que era usual e um parâmetro importante para a empresa.
Com isso, a margem de processamento despencou, levando o Ebitda junto. Em 12 meses, o Ebitda somou R$ 870 milhões, uma queda de 59% em relação aos R$ 2,1 bilhões dos 12 meses anteriores.
A recuperação
Como mostrou o relatório do BTG publicado há dois meses, as margens da empresa já apresentaram uma recuperação no último trimestre, um movimento que deve se acentuar. Como o milho mais caro já foi consumido, os custos da companhia devem diminuir ao mesmo tempo em que o consumo de etanol permanece aquecido, beneficiando os preços do biocombustível.
A empresa também adotou algumas medidas para acelerar a desalavancagem: suspendeu pagamento de dividendos, que têm sido gordos apesar do aumento da dívida, e congelou novos projetos até que a estrutura de capital se normalize. Nos últimos meses, a FS também trabalhou para alongar a sua dívida, que totalizou R$ 10,3 bilhões ao final de junho — desses, R$ 6 bilhões vencem acima de quatro anos.
Gestores de Fiagros consultados por The AgriBiz estão tranquilos com a situação da FS no curto e médio prazo. “A empresa está fazendo o seu dever de casa e o mercado deu um voto de confiança. Agora, ela tem que comprovar com retorno de margem e redução de alavancagem”, disse um gestor. “A safra 2024/25 já está contratada e não nos preocupa”, emendou outra fonte do mercado de crédito.
A expectativa é que a FS apresente, no balanço que será divulgado em novembro, uma alavancagem em torno de 5 vezes. Em março, ela deveria atingir cerca de 3 vezes.
Mas ainda que as estimativas positivas de desalavancagem se confirmem, uma fonte do mercado de Fiagros destaca um ponto de atenção. “É hora de a empresa olhar mais para dentro, arrumar a casa para, aí sim, voltar a pagar dividendos mais agressivos.”