Thiago Duarte, um dos mais respeitados analistas do sell side brasileiro, sempre foi um entusiasta da tese de investimentos da Raízen. Desde que a sociedade entre Cosan e Shell fez IPO, o analista do BTG Pactual sustenta uma das recomendações mais difíceis de sua cobertura.
Enquanto os investidores parecem desanimados com o papel — as ações da Raízen caíram mais de 25% desde o início do ano —, Duarte se debruçou sobre a tese em um amplo relatório divulgado nesta terça-feira.
A equipe de analistas até cortou o preço-alvo da ação de R$ 8 para R$ 7, mas não renunciou às convicções. Com as ações a R$ 2,93, ainda há um upside de 138%. Renovando a voto de confiança no E2G (o pioneiro etanol de segunda geração desenvolvido pela Raízen), a equipe de analistas reiterou a recomendação de compra, deixando um alerta.
O tempo da Raízen está ficando mais curto. “Se a tese da Raízen for se comprovar, a hora é agora”, escreveram Duarte e a equipe de research composta por Pedro Soares, Henrique Brustolin e Henrique Pérez. Para eles, 2024 será um ano crucial para determinar o futuro das ações.
Atrás da concorrência
Desde o IPO, a Raízen perdeu R$ 35 bilhões em valor de mercado, com um desempenho negativo que chama ainda mais atenção quando comparada aos pares, sejam eles de combustíveis ou usinas de açúcar e etanol. De 2021 para cá, as ações da dona dos postos Shell caíram mais de 50%.
Em média, RAIZ4 ficou 58% abaixo do desempenho combinado de Ultra, Vibra, São Martinho, Adecoagro, e Jalles Machado, mostrou o relatório do BTG Pactual.
A boa notícia é que a safra 2024/25, que acabou de começar, pode trazer um respiro para Raízen. Espera-se que a companhia capture os benefícios dos investimentos feitos nos últimos anos para melhorar a produtividade dos canaviais, reduzindo também o ritmo de desembolsos de capex.
Aliado à queda dos juros no Brasil, a companhia pode finalmente começar a desalavancar, abrindo espaço no balanço para remunerar mais os acionistas, em detrimento dos credores. Desde o IPO, os credores ficaram com a maior parte do valor gerado pela companhia. Atualmente, as dívidas respondem por 47% do entreprise value. No IPO, esse percentual era de apenas 20%.
Até aqui, os problemas da Raízen na bolsa não são operacionais — mas estão nas linhas abaixo do Ebitda. Operacionalmente, a empresa entregou algo muito próximo ao estimado na época do IPO. Quando o BTG começou a cobrir o papel, em 2021, esperava que a companhia entregasse um Ebitda de R$ 17 bilhões em 2025 e hoje espera R$ 18,2 bilhões.
O ritmo de investimentos, entretanto, foi muito maior do que se imaginava. Nos últimos três anos, a Raízen desembolsou R$ 15 bilhões em expansão, duas vezes mais do que os recursos levantados durante o IPO. Os recursos foram utilizados principalmente para E2G, renovação dos canaviais e, em menor grau, em energia.
Diante de tamanho investimento, a dívida líquida da companhia ficou muito maior do que se previa há três anos. No caso do BTG, a estimativa de dívida líquida para 2025 era de R$ 15 bilhões. Agora, o banco trabalha com R$ 25 bilhões.
Nesse meio tempo, o custo de capital também aumentou. Os custos líquidos de juros, incluindo as despesas com arrendamentos, chegaram a R$ 5,9 bilhões na safra passada, 4x maiores do que o R$ 1,4 bilhão registrado no exercício de 2021, ano do IPO.
Como reflexo disso, o fluxo de dividendos caiu e deve responder por R$ 1,2 bilhão em 2024, comparado com uma média de R$ 2 bilhões por ano nos cinco anos anteriores.
O que muda agora?
Para os analistas do BTG, a Raízen chegou a um ponto em que vai começar a aproveitar a maturidade de seus investimentos, principalmente no etanol de segunda geração (E2G) e vai conseguir reduzir o porte de investimentos em produtividade de cana-de-açúcar.
Trata-se de um trabalho intenso, conduzido pela companhia ao longo dos últimos anos. A cultura de cana-de-açúcar leva em média sete anos — e a Raízen tem mostrado que quer compensar plantios ruins com um ritmo mais acelerado de replantio.
A meta da companhia é chegar ao fim deste ano com 80% a 85% do território coberto por canas mais produtivas. O BTG estima que a companhia tem replantado uma área de 22% a 27% do total nos anos fiscais de 2023 e de 2024. Assumindo que a empresa replantou pelo menos 18% no ano do IPO e que vai replantar 18% neste ano, isso chega aos 85%.
“É um bom presságio para que a companhia apresente um volume de moagem estável neste ano. Mesmo com um rendimento possivelmente menor, ligado ao clima no país, a Raízen pode se beneficiar por ter uma área maior para ser colhida neste ano. Nas nossas estimativas, cerca de 70 mil hectares a mais, ou 7% acima do ano passado”, escreveram os analistas.
Mas ainda há desafios a serem superados. No E2G, a grande aposta da Raízen no IPO, o custo de construção é um ponto crítico. O custo de construção continua sendo um ponto negativo em retorno: uma planta de E2G custa, no fim, R$ 15/litro de capacidade por ano, enquanto a maior parte dos projetos de etanol custa R$ 3,50/litro.
Isso significa que o prêmio do E2G, junto com a competitividade de custo de produção, precisa ser alta o suficiente para lidar com um capex quatro vezes maior.
Numa análise feita pelo BTG, os analistas apontam que os preços de E2G precisam subir 3% a cada ano em termos reais para que os projetos tenham uma TIR acima de 15%, assumindo um preço spot de 1,3 euro por litro.
A Raízen vem conseguindo mitigar os riscos de preço com contratos de longo prazo (a Shell é a maior compradora), que garantem um preço mínimo atrativo. Parte desses contratos, aliás, foi adiantada recentemente, o que trouxe R$ 3 bilhões para o caixa da Raízen.
A grande dúvida é saber se o prêmio do E2G que a Raízen conseguiu até aqui vai se sustentar ao ponto de tornar o retorno dos projetos tão promissores quanto o IPO prometia.