Opinião

Biotecnologia: Como a (falta de) regulação pode afetar as exportações brasileiras

O modelo de autorregulação, que proporcionou o sucesso da biotecnologia, está sendo colocado à prova com novos eventos que não seguem as mesmas regras

Essencial nos ganhos de produtividade agrícola nas últimas décadas, a biotecnologia teve o seu sucesso possibilitado por um sistema de autorregulação que viabiliza que as plantas cultivadas no Brasil também sejam aprovadas nos principais destinos das exportações brasileiras. Esse modelo agora está sendo colocado à prova, colocando em risco todas as cadeias exportadoras.

O comércio internacional é um ambiente de grande competição entre países e sempre sujeito a interrupções devido a barreiras tarifárias ou técnicas. As últimas compreendem um amplo conjunto de ações que impactam o comércio, incluindo o estabelecimento de requisitos voltados à proteção da saúde humana e do meio ambiente.

No caso de commodities agrícolas, tais como a soja e o milho, dentre os requisitos estabelecidos pelo país importador, deve ser observado, para cada princípio ativo, o limite máximo de resíduos (LMR) estabelecido. Em alguns casos, isso traz grandes desafios, pois um país importador pode impor um limite excessivamente restritivo, a ponto de praticamente inviabilizar o uso de um defensivo importante no manejo da lavoura no Brasil.

Nesse contexto, são grandes os desafios quando se fala em inovações biotecnológicas — uma solução encontrada pelo setor para aumentar a produtividade com a introdução de eventos voltados ao combate a pragas, maior tolerância à seca, entre outras melhorias.

Desde a Lei de Biossegurança nº 11.105/2005, o Brasil conta com um rigoroso arcabouço legal que possibilitou a rápida e segura inserção da biotecnologia no País. Simultaneamente, permitiu que o Brasil ampliasse significativamente suas exportações, que hoje alcançam dezenas de países em todos os continentes.

Para que isso fosse possível, a Lei de Biossegurança criou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão composto por especialistas altamente capacitados na análise dos processos de submissão desses eventos. Ou seja, há quase 20 anos temos um sistema técnico-científico de reconhecimento internacional que, em grande medida, contribuiu para o crescimento do nosso agronegócio.

Há um outro aspecto a ser destacado e que tem sido exemplarmente conduzido pelo setor privado, especialmente desenvolvedores de biotecnologia, indústrias compradoras e empresas exportadoras.

Trata-se de um sistema, norteado por entidades internacionalmente reconhecidas, no qual os desenvolvedores garantem que as plantas cultivadas no Brasil também tenham sido aprovadas nos principais destinos internacionais brasileiros. Essa informação é repassada aos compradores para que tenham segurança nos seus embarques e contratos.

Cabe ressaltar também que as desenvolvedoras disponibilizam os kits de testes para que as cargas recebidas sejam avaliadas quanto à presença da biotecnologia. Ou seja, permitem que as compradoras tenham segurança no recebimento e, ao mesmo tempo, garantem a remuneração do investimento pela cobrança na entrada.

O modelo funcionou de forma excepcional nessas últimas duas décadas. Ao contrário do ocorrido em outros países, o Brasil não registrou rechaços devido ao desalinhamento ou assincronia nas aprovações, pois o sistema se mostrou robusto e colaborativo. Esse mesmo modelo, todavia, está sendo colocado à prova com o lançamento de novos eventos que não seguem essas mesmas regras de autorregulação que nos conduziram ao sucesso.

Apesar de estarem em conformidade com a legislação brasileira, não podemos esquecer que o componente privado foi fundamental para garantir a sintonia entre todos os agentes da cadeia produtiva a custos efetivamente baixos de monitoramento.

O risco

É preciso colocar o tema em debate público para que o País esteja ciente dos desafios que surgirão caso não sejam regulados aspectos mínimos para o lançamento comercial de produtos. Entre os pontos que exigem o mínimo de regulação, destaco a aprovação nos principais mercados consumidores, a transparência nos locais em que são comercializados, mecanismos de contenção para evitar misturas inadvertidas em lotes destinados a mercados onde não forem aprovados e o fornecimento dos kits de análise rápida.

Não podemos colocar em risco todas as cadeias exportadoras do Brasil. As biotecnologias, assim como quaisquer outras que tragam aumento de produtividade, redução de perdas e melhoria dos indicadores de sustentabilidade, são bem-vindas.

Porém, nem o Brasil, nem o agronegócio brasileiro, são ilhas isoladas: pelo contrário, mantemos relações comerciais com o mundo todo. Se, individualmente, as visões são divergentes, o tema precisa ser regulado para que ganhos e riscos sejam devidamente balanceados por todos, e não concentrados nos compradores.