Opinião

Navegar é mais que preciso para o agronegócio

Modelagem de concessão de hidrovias será decisiva para o papel que o transporte de cargas em via fluviais desempenhará nas próximas décadas

Sucessivos planos de infraestrutura de transportes abordaram o modo hidroviário, mas frequentemente de forma secundária e com menos ênfase do que o rodoviário e o ferroviário. A este último são geralmente reservadas fortes expectativas em termos de investimentos e de participação na matriz de transportes. Voltarei a falar disso em um próximo artigo. Neste, quero discutir a importância que a navegação interior de cargas tem hoje e a que deve ter em um futuro próximo.

De acordo com a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o Brasil transportou por vias navegáveis interiores 40,3 mil toneladas por quilômetro útil (TKU) em 2019 e 45,8 mil TKU em 2023, variação de 13,5%. Nesse mesmo período, a safra de grãos cresceu em 29,6%, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Por esses números, já fica claro que há algo inconsistente entre nosso potencial transportável por hidrovias e a demanda por esses serviços.

Se, por um lado, os Planos Nacionais de Logística (PNL) 2025 e 2035 destacaram a grande extensão subexplorada das vias fluviais para o transporte de cargas, por outro, eles revelam que priorização de obras e serviços de suporte à navegação pode redesenhar a matriz de transportes em favor do maior uso das hidrovias, pelo menos para granéis sólidos agrícolas.

Nesse sentido, a listagem no Novo PAC de obras traz novas perspectivas positivas. Entre elas, destaco o derrocamento do pedral de Nova Avanhandava, na hidrovia Tietê-Paraná, e do pedral do Lourenço, na hidrovia do Tocantins, bem como a dragagem dos rios Madeira, Paraná e Paraguai.

PPPs

O imenso potencial do transporte fluvial, entretanto, reside no modelo a ser implementado em formato de Parceria Público-Privada para concessão das hidrovias.

Dentre elas, o agronegócio tem especial interesse na do Madeira, dada sua relevância para as cargas do Mato Grosso, Pará e Rondônia. Neste caso, vale lembrar que o transporte hidroviário nessa região é antigo e consolidado na cultura da bacia dos rios amazônicos — é imperioso, portanto, trazer os investimentos que melhorem a gestão, promovam a eficiência e a segurança.

Barcaças transportam grãos pela hidrovia Tietê-Paraná; Novo PAC de obras traz perspectivas positivas | Crédito: Schutterstock

A modelagem dessa concessão, pioneira no País, será decisiva para o papel que as hidrovias desempenharão nas próximas décadas. Será uma oportunidade ímpar para alavancar o que pode ser considerado o modo de transporte mais adequado às necessidades do agronegócio brasileiro se olharmos seus benefícios agregados em termos de desenvolvimento econômico, social e ambiental.

Benefícios

Na área econômica, o transporte por barcaças proporciona maior eficiência energética e menor custo unitário de transporte. Este, por sua vez, se traduz em maior competitividade dos produtos nacionais pela redução das despesas para internalização de insumos e pelo barateamento do transporte de grãos. Além disso, promove a ampla concorrência entre prestadores de serviços, o que estimula a eficiência e a qualidade.

Na área social, nem é preciso dizer o quanto isso se traduzirá em geração de empregos e de renda na agricultura, agroindústria e agrosserviços. Derivam disso efeitos de desenvolvimento socioeconômico com atividades ligadas ao turismo e indústria naval, por exemplo, os quais se valem das especificidades locais para gerar bens e serviços.

Neste quesito, sabe-se que o patrimônio cultural e natural brasileiro proporciona atrações únicas. Vê-se, portanto, que os ganhos serão prioritariamente absorvidos pela sociedade local, o que vai ao encontro das metas preconizadas pelas autoridades locais e federais.

Ambientalmente, a redução das emissões de poluentes e de gases de efeito estufa se alinham com as metas nacionais e proporcionam melhoria dos indicadores domésticos e da saúde pública. Ao final, cada tonelada transportada terá menor intensidade de carbono, destacando ainda mais a sustentabilidade da nossa economia frente aos nossos concorrentes internacionais.

Tarifa

Para isso, a modelagem deve maximizar os ganhos da concessão para o crescimento regional e do País, fortalecendo a hidrovia como meio alternativo ao rodoviário e mesmo ao ferroviário. Isso passa pela incorporação das externalidades no cálculo da tarifa, bem como pela utilização dos recursos disponíveis voltados ao desenvolvimento do setor.

A desconsideração desses fatores resultará em uma análise parcial e, por sua vez, em uma tarifa que desestimule os investimentos, o que se traduzirá em efeitos limitados para o desenvolvimento nacional.

O pioneirismo da concessão mostra que há desafios e incertezas, mas é preciso seguir em frente. De preferência, com inspiração nas experiências bem-sucedidas no Brasil, em outros setores concedidos, e nas grandes economias mundiais, que têm no transporte hidroviário sua máxima utilização em função do seu papel estratégico para o Estado.

Em um mundo de instabilidades na área energética e com demandas socioambientais crescentes, o transporte hidroviário viável que proporcione previsibilidade, segurança jurídica, estabilidade e atratividade pode representar uma virada de chave para o agronegócio brasileiro e a atração de investimentos vultosos para atender essa demanda reprimida pelo transporte eficiente e sustentável.